“Colocar a meta climática acima iria precaver alguma derrapagem”

O Conselho Europeu chegou, na sexta-feira, a acordo para a redução de 55% nas emissões de CO2 até 2030. Para o grupo parlamentar da esquerda, que Marisa Matias integra, a meta deveria ser de 70%. Eurodeputadas do PSD e do PS crêem que o objectivo é exequível e não compromete crescimento económico, já que 30% do orçamento da UE se destina à acção climática.

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Reuters/Wolfgang Rattay

Um ano depois do anúncio do Pacto Ecológico Europeu, programa que visa nortear a transição para uma economia mais verde, o Conselho Europeu acordou, na madrugada de sexta-feira, a redução de pelo menos 55% nas emissões líquidas de CO2 até 2030, tendo como ponto de partida os valores de 1990. A decisão enquadra-se na Lei do Clima, proposta em Março pela Comissão Europeia, para vincular juridicamente os 27 Estados-membros à obtenção da neutralidade carbónica até 2050.

Mas houve quem exigisse mais ambição climática no seio da União Europeia (UE). Em 8 de Outubro, o Parlamento Europeu (PE) aprovou um mandato de negociação que defendia uma redução de 60% nas emissões até 2030, com 392 votos a favor, 161 contra e 142 abstenções. E no seio desse órgão havia quem quisesse ir mais longe; é o caso do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica (GUE/NGL), de que faz parte Marisa Matias. “Defendemos os 70%”, afirma a eurodeputada eleita pelo BE. “A implementação [da redução das emissões] pode não ser tão rápida como a que desejávamos. A ideia é termos alguma margem para que as metas fixadas sejam cumpridas. Colocar a meta climática acima iria precaver alguma derrapagem”.

A posição do GUE/NGL, refere a também candidata à Presidência da República, “está em linha” com as reduções preconizadas por cientistas e por organizações não governamentais: a portuguesa Zero, por exemplo, considerou a meta dos 55% “importante”, mas “aquém do necessário”. Ainda assim, Marisa Matias olha para a decisão do Conselho Europeu como um “passo positivo”, porque a anterior meta para 2030 era de 40% e porque é difícil países e grupos parlamentares estarem “na mesma sintonia” quanto às alterações climáticas. “Ficamos sempre num meio caminho em relação às exigências. Nesta altura, já deveríamos estar a trabalhar nos transportes, reforçando os transportes colectivos e o investimento na ferrovia”, salienta.

A quebra de 7% nas emissões mundiais de CO2 em 2020, estimada pelas dezenas de cientistas do Projecto Carbono Global, resultou precisamente do menor número de viagens em tempos de pandemia, mas o mais recente relatório do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), publicado na quarta-feira, dá conta de que os efeitos da covid-19 no meio ambiente são de curto prazo e realça a tendência para o aumento das emissões na aviação e na navegação, responsáveis por 5% do CO2 lançado para a atmosfera a nível mundial. “Há medidas previstas, mas ainda há muito a fazer em relação a esses sectores”, admite a eurodeputada bloquista, que integra a Comissão da Indústria, da Investigação e da Energia.

Harmonizar ambiente e economia

Integrada na Comissão do Ambiente, da Saúde Pública e da Segurança Alimentar, Lídia Pereira afirma que sempre defendeu a meta dos 55% por ser um valor “realista”, para o qual “foram feitos vários estudos”. A eurodeputada do Partido Popular Europeu avisa que a previsão de aumento de temperatura até 2100 face a valores pré-industriais continua acima dos três graus Celsius, valor que supera o objectivo de 1,5 graus Celsius inscrito no Acordo de Paris, celebrado há cinco anos. A concretização dessa meta não tem, contudo, de estar em conflito com o crescimento económico, defende. Lídia Pereira observa, por exemplo, que o PIB da UE cresceu 1,5%, enquanto as emissões de gases de estufa baixaram 3,7%. “Há um caminho estreito, mas possível, que leva a um mundo neutro em carbono, sem se destruir a economia. Acho possível criar mais riqueza, pagar melhores salários e simultaneamente respeitar o meio ambiente”, declara.

A eurodeputada realça ainda a necessidade de a Europa “investir em tecnologias não prejudiciais para o ambiente” para garantir a “descarbonização do sector da energia” e a “implantação de formas de transporte mais limpas”, assumindo-se como exemplo a nível global. “Acredito que a Europa, com as suas empresas, com a sua capacidade de investigação e de desenvolvimento, deve e vai liderar a grande transformação deste século”, sublinha.

30% do dinheiro para a acção climática

“A economia verde levanta 1001 possibilidades de criação de novos empregos, sobretudo para as novas gerações”, concorda Isabel Estrada Carvalhais, da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas. A eurodeputada faz parte da Comissão da Agricultura e do Desenvolvimento Rural e realça que medidas como a redução de 50% no uso de pesticidas até 2030, que tem acompanhado, exigem muito dinheiro. Para a representante do PS, o orçamento de 1,8 biliões da UE, que reúne 1,07 biliões do quadro financeiro plurianual entre 2021 e 2027 e os 750 mil milhões do fundo de recuperação, colmata essa necessidade, já que 30% do total se destina à acção climática. “Isso significa que se está a levar muito a sério esta estratégia de apoio à concretização do Pacto Ecológico Europeu”, refere.

Isabel Estrada Carvalhais avisa, porém, que nem todos os estados-membros “partem do mesmo patamar” nesta transição, salientando o caso das “economias muito dependentes do carvão”, como a Polónia – juntamente com a Hungria –, foi o país que mais obstaculizou a aprovação do fundo de recuperação. A eurodeputada socialista crê que o Fundo para a Transição Justa vai ajudar os países nessa situação a mitigarem os “impactos sociais e económicos” da redução das emissões e a “criarem novos empregos verdes”.

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