Mães de primeira viagem não liguem ao que vos dizem

Desliguem de todos os comentários, porque só há duas pessoas que vão conhecer a fundo o vosso filho, só duas pessoas é que têm que viver com ele e, por isso, só essas é que sabem como melhor organizar o dia-a-dia.

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@designer.sandraf

Mãe,

Já que toda a gente se sente no direito de dar conselhos às mulheres que estão grávidas ou que acabaram de ter um bebé, também eu vou dar alguns!

Aparentemente há um consenso social que define que a partir do momento em que engravidamos ou temos um bebé nos braços, perdemos toda a capacidade de pensar por nós próprias ou de tomar decisões. Resultado: jorram avisos, alertas e insights sobre como devemos viver a nossa gravidez e criar os nossos filhos — mesmo que seja completamente ao contrário do que desejamos. Por isso, e sem mais demoras, aqui vai o meu grande conselho: não liguem!

  • Não liguem quando vos disserem que têm de estar felizes e agradecidas por estarem enjoadíssimas durante nove meses. Ou, pior ainda, que se quisessem mesmo estar à espera daquele filho, não estariam tão enjoadas!
  • Não liguem quando vos contarem a história traumática do parto da prima da irmã da tia.
  • Não liguem quando vos disserem para “aproveitar para dormir agora, porque nunca mais vão dormir na vida”. Mesmo que não durmam, não adianta de nada porque, adivinhem mães, não dá para guardar horas de sono.
  • Não liguem quando profetizarem o sexo do bebé pela forma ou feitio da barriga.
  • Não liguem quando vos disserem que os primeiros tempos com o bebé vão ser dificílimos. São as mesmas pessoas que, ao ouvirem o vosso testemunho de que “até aqui a coisa correu bem”, vão imediatamente rematar com “ahh sim, mas isso é nos primeiros meses, depois é que vai ser...”. Para elas, o pior está sempre para vir, desde os primeiros dias à adolescência.
  • Não liguem quando vos disserem que todos os vossos instintos sobre como pegar e consolar os vossos filhos estão errados!
  • Não liguem quando vos garantirem que o vosso filho quer mamar, porque “está sempre com fome”, concluindo que o vosso leite é fraco ou pouco.

Na verdade, desliguem de todos os comentários, porque só há duas pessoas que vão conhecer a fundo o vosso filho, só duas pessoas é que têm que viver com ele e, por isso, só essas é que sabem como melhor organizar o dia-a-dia, como querem gerir as dificuldades.


Querida Filha,

A humanidade não muda em décadas, nem sequer em séculos — suspeito que desde o tempo das cavernas que as grávidas são alvo de conselhos. Há dias em que vejo as andorinhas na corda da roupa a “falarem” incessantemente, entre voos para os ninhos, e suspeito que há umas que estão a dizer tudo isto às infelizes mães de primeira viagem.

Nem de propósito, acabei de ler um estudo da Harvard Business School que diz que o vício de dar conselhos é uma tentativa — geralmente desastrada — de nos “ligarmos” aos outros, de nos sentirmos relevante na sua vida. Às vezes, de os controlarmos. Talvez por isso, revela a investigação, a maioria dos conselhos são ignorados. Mas, digo eu, não quer dizer que não façam mossa, todos sabemos como aquelas palavrinhas ficam facilmente a remoer dentro de nós. Por isso assino por baixo do teu conselho gigante — Não liguem!

Mas, como estou aqui pelo lado dos avós, aproveito para fazer um apelo: Resistam a dar (muitos) palpites!

É claro que é um objectivo difícil de cumprir, tal o desejo de provar que somos especialistas na matéria — ou não tivéssemos passado com êxito a prova da maternidade —, mas podemos tentar. Se reduzirmos os conselhos para metade, também as futuras ou recém-mães ficam apenas com metade do trabalho a ignorá-los, o que já é qualquer coisa.

Nota final: A minha mãe contava sempre com indisfarçável amargura que quando, recém-chegada a Portugal e cheia de saudades de casa, ficou à espera do primeiro filho, sentiu enjoos de morrer. A sogra (tua bisavó) era uma mulher admirável, que tinha tido dez filhos sem uma náusea, ao vê-la assim, perguntou-lhe: “Mas não queres o bebé?” Quarenta anos depois, quando fiquei à espera do teu irmão Francisco e vomitava o almoço e o jantar, engolida por uma náusea permanente, o obstetra fez-me a mesma pergunta. Fiquei tão zangada. Depois foi contigo, lembras-te? Numa loja, e a senhora ainda insinuou que era uma qualquer forma de pecado queixares-te de como te sentias mal, quando “há tantas mulheres no mundo que não conseguem engravidar”. E o mais estúpido é que invariavelmente nestas situações nos vemos na obrigação de explicar, de justificarmos que o facto de não gostarmos de nos sentir a morrer, não significa que não desejamos e amamos aquele bebé. Fica aqui o meu abraço de solidariedade a todas as grávidas que passam por isto neste momento.


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook Instagram.

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