Estado de dormência nacional

Aquilo que se pretendia ser uma mobilização por três minutos de solidariedade com Timor-Leste estendeu-se muito para além desse período e parou o país. No dia de Páscoa, eu e a minha mãe relembrávamos este momento enquanto observávamos a situação actual de Moçambique.

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Tanushree Rao/Unsplash

Somos um país de poucas lutas. E, nestes 28 anos, lembro-me de poucas situações que motivaram uma enorme mobilização dos portugueses.

Mas lembro-me perfeitamente de uma, como se fosse hoje. Em Setembro de 1999, há pouco menos de 22 anos, o país saiu à rua para fazer três minutos de silêncio por Timor.

De mão dada com a minha mãe, e de bandeira na outra, fomos para o centro de Braga. E fomos muitos. O objectivo era demonstrar a nossa solidariedade para com Timor-Leste e contra a passividade dos países membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas relativamente à situação que o país enfrentava.

Aquilo que se pretendia ser uma mobilização por três minutos estendeu-se muito para além desse período — e parou o país. Em Lisboa, formava-se um cordão humano entre a sede da ONU e as embaixadas da China, França, Rússia, Reino Unidos e Estados Unidos da América. Os governantes juntaram-se aos cidadãos e saíram à rua, tendo inclusive, António Guterres, primeiro-ministro à data, participado neste cordão.

No dia de Páscoa, na tranquilidade do nosso lar, eu e a minha mãe relembrávamos este momento enquanto observávamos por contraste a situação actual de Moçambique. E é com uma tristeza enorme e um sentimento de impotência que assisto a esta situação.

Ao longo dos últimos três anos, temos assistido aos relatos de violência que surgem de Moçambique, mais especificamente da província de Cabo Delgado. Há pouco menos de duas semanas estes relatos agravaram-se na sequência de ataques por grupos armados à vila de Palma. Este conflito tem provocado dezenas de mortos e obrigado à fuga de milhares de residentes de Palma. As Nações Unidas estimam que tenham sido atingidas cerca de 700 mil pessoas na província, desde o início do conflito.

A mais de dez mil quilómetros assistimos à cobertura crescente pela comunicação social. As imagens que permitem a sua reprodução trazem-nos (parte) desta realidade. Mas muito mais está por mostrar e contar.

Já diz o ditado, “longe da vista, longe do coração”; e como não afecta portugueses, não tem um impacto para Portugal ou para qualquer interesse nacional, assistimos apaticamente a esta situação. Enquanto sociedade demonstramos uma plena letargia que nos torna insensíveis perante estes acontecimentos. Uma dormência nacional. Seja em Moçambique, na Síria, ou no Quénia.

Moçambique obteve a independência em 1975. Enquanto país, fomos responsáveis pela sua colonização e o português tornou-se a sua única língua oficial. Se enquanto cidadãos temos a responsabilidade de contribuir para um mundo melhor, esta responsabilidade é ainda superior em relação a Moçambique: pela cultura, pela história, pelas relações, pela língua que partilhamos.

As notícias que surgem dizem que Portugal e os EUA ofereceram ajuda e que Moçambique recusou. Referem que a situação se encontra controlada, mas os relatos continuam a chegar. Parece que o problema de falta de consciencialização externa que reinava em relação a Timor-Leste, não se parece concretizar, mas sim a falta de reconhecimento por parte de Moçambique da necessidade de ajuda.

Sei que os tempos são outros e que a forma de mobilização poderá ser diferente da que aconteceu há 22 anos. Mas ainda assim, o que podemos fazer por Moçambique? O que podemos fazer pelos moçambicanos? Como podemos ajudar?

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