O psicodrama não é teatro mas uma terapia que pode ajudar a lidar com situações de crise

Com a pandemia, o psicodrama, que hoje está implementado em consultórios, mas também em serviços hospitalares, passou a ter como palco as plataformas online. Faz cem anos nesta quinta-feira.

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Uma sessão é composta por três fases: o aquecimento, a dramatização e os comentários Kyle Head/Unsplash

Em véspera de se assinalar o centenário da primeira sessão de psicodrama, especialistas destacam a importância desta terapia individual em grupo que, através da acção, visa o “desenvolvimento da espontaneidade e criatividade” dos indivíduos para lidar com determinadas situações.

“O psicodrama é uma psicoterapia que trata o indivíduo dentro de um grupo. O nosso objectivo é tentar ajudar as pessoas a desenvolver a sua espontaneidade e criatividade em contexto grupal no momento, no aqui e agora”, define Miguel Vasconcelos, presidente da Sociedade Portuguesa de Psicodrama (SPP).

Em 1 de abril de 1921, Jacob Levy Moreno, um contemporâneo de Freud, viria a fundar na Comedy House, em Viena, o psicodrama: uma terapia individual em grupo que “inclui a acção”, isto é, a criação, através da dramatização, de uma situação que “não se limita ao presente”.

A inclusão da acção no psicodrama é “a grande diferença” desta para outras terapias, explica o psiquiatra, acrescentando que em cada sessão, os indivíduos do grupo — que não se conhecem do contexto social — se “posicionam face a várias situações que são criadas”. Uma sessão de psicodrama demora habitualmente 90 minutos e é composta por três fases: o aquecimento, a dramatização (onde existe um estrado que representa um palco) e os comentários (onde se “produz o objectivo terapêutico").

Na dramatização e exposição de determinadas situações passadas, presentes ou futuras no “palco”, os indivíduos tanto são “protagonistas” da sua própria história, como se colocam no “papel dos outros”.

“Quando está no outro papel, a pessoa está a ver-se de fora e está a sentir o que faz sentir os outros quando fala. Colocarmos a pessoa no lugar do outro tem uma riqueza muito grande”, acrescenta Miguel Vasconcelos, salientando que as técnicas usadas permitem ao indivíduo “um maior conhecimento de si e do seu contexto social”.

José Teixeira Sousa, psiquiatra e um dos clínicos que, em 1986, fundou a SPP, alerta para a necessidade de se “distinguir psicodrama de teatro”. E sublinha: “No teatro grego havia a comédia, a tragédia e o drama. O drama era uma peça com grande intensidade emocional, mas que acabava bem. A tragédia acabava mal. No psicodrama nós representamos os nossos próprios papéis, no teatro estamos sempre a representar os papéis dos outros.”

O primeiro contacto que José Teixeira de Sousa teve com o psicodrama foi em 1980, num congresso em Salvador da Baía, no Brasil, organizado por Alfredo Correia Soeiro, que a partir dessa data viria a formar profissionais nesta psicoterapêutica em Portugal e se tornaria sócio fundador da SPP.

Recordando os princípios “morenianos”, José Teixeira de Sousa salienta que “a cura” para determinados eventos passa por desenvolver a espontaneidade: “Uma resposta adequada, criativa e original.”

“A espontaneidade é uma resposta nova às coisas antigas e uma resposta adequada a coisas recentes. Moreno acreditava que muitos dos nossos problemas resultavam da coacção social, que nos impedia de sermos livres e espontâneos”, refere o psiquiatra, que ainda dá consultas na primeira sala de psicodrama do país.

Com a pandemia, e à semelhança de tantas outras terapêuticas, o psicodrama, que hoje está implementado em consultórios, mas também em serviços hospitalares, passou a ter como palco as plataformas online. “Não é a mesma coisa. Não tem o mesmo valor do que quando conseguimos fazer presencialmente. No online temos de recorrer a outras técnicas que só usávamos excepcionalmente”, lamenta.

A procura por este tipo de terapias “tem aumentado”, sobretudo por parte de casais e de pessoas com perturbações de ansiedade e depressão, ainda que “muitas destas perturbações psicopatológicas só apareçam, na maior parte das vezes, seis meses depois dos eventos”.

“O psicodrama é um bom instrumento, sobretudo nestas alturas, porque nós podemos dramatizar situações que não chegaram a acontecer como por exemplo o confronto com a morte e isso dá-nos conhecimento, não só teórico”, conclui Miguel Vasconcelos.

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