A comédia do aeroporto do Montijo

Já se percebeu como o PSD e o Governo estão a tentar cozinhar uma saída para o imbróglio que salve a face de Rui Rio e do seu programa eleitoral.

A polémica da construção do novo aeroporto do Montijo é um exemplo dos mecanismos da política em todo o seu esplendor.

Exactamente, há um ano e perante a inevitabilidade do parecer negativo dos autarcas da Moita e Seixal à construção do novo aeroporto do Montijo, o ministro das Infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, ligava ao líder do PSD, Rui Rio, para lhe pedir ajuda para resolver a embrulhada. Tinha-se que alterar a lei que, feita pelo Governo de Sócrates, que dava poder de veto às autarquias para a construção de qualquer aeródromo ou aeroporto. 

Na altura, o PSD declarou-se indisponível porque isso seria alterar “uma lei, que deve ser geral e abstracta, para solucionar um problema concreto e avulso”.

Aliás, se atentarmos no programa eleitoral do PSD, este partido candidatou-se em 2019, defendendo “ser avisado a reapreciação da solução Alcochete, mesmo que tal obrigue a uma renegociação das condições contratuais da concessão”. Montijo nunca agradou à actual direcção dos sociais-democratas.

Já em Novembro do ano passado, durante a discussão do Orçamento do Estado, PSD foi um dos partidos que votou a favor de uma recomendação do PAN e de Os Verdes para que fosse estudada outra localização alternativa ao Montijo. Na verdade, apenas o PS votou contra o artigo que diz explicitamente: “Durante o ano de 2021, o Governo promove a realização de uma avaliação ambiental estratégica que afira as diversas opções de localização de respostas aeroportuárias”.

Esse assunto ficou a marinar até que no início deste mês, e após a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) ter chumbado o pedido de apreciação prévia de viabilidade da construção do Aeroporto Complementar no Montijo, o ministro Pedro Nuno Santos lembrou-se de que, afinal, era uma boa ideia fazer o tal estudo de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), mas especificando três cenários. 

“O Governo compromete-se a respeitar a solução que vier a ser identificada na Avaliação Ambiental Estratégica”, garantia o ministério das Infra-estruturas, em comunicado, propondo que fossem avaliadas em concreto estas alternativas: Aeroporto Humberto Delgado como aeroporto principal e Montijo como complementar; Montijo a adquirir, progressivamente, o estatuto de aeroporto principal e o Aeroporto Humberto Delgado como complementar; e o Campo de Tiro de Alcochete. E, assim, o PSD já veio dar o seu OK à mudança da lei que dava poder aos autarcas e travou o Montijo no primeiro momento.

O chairman da ANA (detida pela francesa Vinci) já assumiu na semana passada, em entrevista ao PÚBLICO/Renascença, que é preferível a solução 2 e que até chegou a haver acordo entre o ministro antecessor de Pedro Nuno Santos, Pedro Marques, e o líder do PSD antecessor de Rio, Pedro Passos Coelho, para se mudar a lei que dá direito de veto aos autarcas. Já se percebeu que o caminho preferido era esse. Vamos ver o que diz a entidade que fará o tal estudo estratégico. Mas também já se percebeu como o PSD e o Governo estão a tentar cozinhar uma saída para o imbróglio que salve a face de Rui Rio e do seu programa eleitoral e permita fazer a alteração legislativa, abrindo caminho eventualmente, na mesma, para o Montijo. Como escreveu esta semana o vice-presidente, David Justino, aqui no PÚBLICO, “há uma diferença entre alterar um diploma para resolver um problema específico e fazê-lo para um novo quadro de competências partilhadas entre administração central e local em relação a projectos de interesse nacional”. Sim, tem toda a razão. Mas, no fundo, o que os portugueses querem saber é se, no final de contas, todos os caminhos vão ou não dar ao Montijo, localização que as populações locais tanto contestaram.

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