“Estou desde as duas e tal sem comer, sem vir a casa” — cerco policial termina com suspeitos em fuga

Cerco policial em Corroios durou várias horas e terminou ao início da noite. Há dois elementos em fuga e a PJ é quem está agora a tentar encontrar os suspeitos.

seguranca,questoes-sociais,sociedade,lisboa,
Fotogaleria
Nuno Ferreira Santos
seguranca,questoes-sociais,sociedade,lisboa,
Fotogaleria
LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO
seguranca,questoes-sociais,sociedade,lisboa,
Fotogaleria
Nuno Ferreira Santos
seguranca,questoes-sociais,sociedade,lisboa,
Fotogaleria
Nuno Ferreira Santos

Foi pelas oito e meia que os quatro agentes da PSP que bloqueavam a rua de acesso ao bairro se afastaram. Dezenas de moradores aguardavam no passeio e conjecturavam sobre como passariam a noite. Um deles, acompanhado pela mulher e um filho bebé, olhava para a arcada de um prédio e dizia: “Hoje vamos dormir aqui.” Outra moradora que já admitira estar desde o meio-dia ali à espera não aguentou mais e correu para um matagal próximo. “Tenho a bexiga a rebentar-me.”

Por fim, um agente fez sinal e foi uma torrente. Houve algumas palmas, breves festejos, mas os gritos eram sobretudo de frustração. “Estamos aqui desde as 11h”, ouvia-se a várias pessoas. “A gente trabalha, tenham respeito!...”

A PSP montou cerco ao bairro da Quinta das Lagoas, em Santa Marta de Corroios, antes das 12h30, depois de um tumulto entre moradores ter terminado com troca de tiros. “Ao chegarem ao local, os polícias depararam-se com suspeitos armados que dispararam contra si, tendo os polícias ripostado, recorrendo igualmente a armas de fogo”, informou a PSP. A operação policial durou quase oito horas. Ao fim desse tempo, a comissária no local informou os jornalistas de que afinal não havia ninguém barricado e que os suspeitos do tiroteio se tinham posto em fuga. Um outro tinha sido já detido.

Dentro do bairro, onde não há luz que alumie o caminho, os regressados percorrem os trilhos enlameados de volta a casa. As habitações são precárias, de tijolo à mostra e telhado de zinco, as ruas são paletes e escombros de construções passadas. A mãe com o filho no marsupial explica que só moram ali há dois meses, que fora do bairro lhes exigiram três rendas de avanço e fiador.

Argentina Cruz habita aqui há 30 anos. “Muita gente pensa que os moradores dos bairros são ignorantes, que não sabem os seus direitos e os seus deveres”, comenta.

A filha, Judite, que teletrabalha para uma companhia de seguros, explica que estava em casa quando ouviu uns tiros. Passava pouco do meio-dia. “Às vezes há intervenções aqui no bairro”, afirma, para dizer que não ligou muito. Só quando saiu para comprar qualquer coisa para o almoço é que se apercebeu do aparato. A polícia tinha cercado o aglomerado de casas, não deixava ninguém entrar ou sair. “Em momento algum a polícia chegou ao pé de nós para nos dizer o que se estava a passar.”

Daí o comentário de Argentina, que acrescenta: “Estou desde as duas e tal sem comer, sem vir a casa.”

Judite conseguiu voltar para casa. Perguntou aos agentes se na esquadra lhe passavam uma justificação para faltar ao trabalho e acabou por regressar sem problemas. Mais tarde saiu para ir buscar os filhos à creche. “Se fosse num prédio, a polícia ia bater às portas a avisar o que se estava a passar, a dizer para as pessoas ficarem em casa. Não é porque vivemos num bairro que não devemos ser informados!”, indigna-se. “Eu soube de tudo o que se estava a passar pela televisão...”

Argentina garante que o bairro é por regra pacífico. Manteve-se mais ou menos estável até há uns anos, não sabe precisar quantos, agora é que tem crescido em tamanho e população. “De há um tempo para cá, começou a história da maldita droga”, diz. E Judite concorda: “A polícia agora passa cá todas as noites.”
 

Sugerir correcção
Ler 23 comentários