Pandemia fez aumentar violência contra meninas e jovens mulheres na Guiné-Bissau

Organizações dizem que as dificuldades económicas e o encerramento de escolas contribuíram para o aumento dos casamentos forçados e da mutilação genital feminina.

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Paulo Pimenta

A pandemia do novo coronavírus provocou na Guiné-Bissau um crescimento dos casos de violência contra raparigas e mulheres jovens, como o aumento dos casamentos forçados e da mutilação genital feminina, disseram à Lusa organizações não-governamentais.

“A pandemia teve impactos vários nas nossas vidas, sobretudo em relação a meninas e jovens mulheres, não só nos casos de mutilação genital feminina, mas também nos casamentos forçados e violência contra mulheres”, afirmou Fatumata Djau Baldé, do Comité Nacional para o Abandono das Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança da Guiné-Bissau.

A mesma opinião é partilhada por Laudolino Medina, da Associação Amigos da Criança, e com uma vasta experiência de apoio a meninas que fogem ao casamento forçado.

“Com a covid-19 as famílias que vivem do quotidiano viram os seus rendimentos caírem e as estratégias mudam, nomeadamente através do casamento forçado com um elevado dote”, afirmou.

“O que é igual a vender crianças e torná-las num objecto comercial”, salientou Laudolino Medina.

Os primeiros casos de covid-19 na Guiné-Bissau foram confirmados a 25 de Março do ano passado. Desde então, o país, com cerca de dois milhões de habitantes, regista mais de 3.500 casos acumulados e 55 vítimas mortais.

Há um ano, as autoridades guineenses declararam estado de emergência, que esteve em vigor até Setembro, e foi imposto um confinamento geral à população, que inicialmente só estava autorizada a circular entre 07h00 e as 11h00.

Segundo Laudolino Medina, na Guiné-Bissau há tradicionalmente dois períodos onde se regista um aumento do casamento forçado, quando começa o jejum dos muçulmanos e a época das colheitas agrícolas.

“Agora, com a pandemia, o fenómeno tornou-se frequente e praticamente todas as semanas recebemos meninas. Umas vêm referenciadas pelas autoridades e outras aparecem pelos próprios pés”, disse.

Medina explicou também que as raparigas que aparecem na associação são provenientes das regiões Norte, Sul e Leste do país e algumas de Bissau.

“O confinamento fez aglomerar mais pessoas em casa e com as dificuldades do dia-a-dia. Os familiares tiveram mais condições para fazer outras práticas como a mutilação genital feminina”, disse Fatumata Djau Baldé.

Segundo a activista, há informação de um aumento da mutilação genital feminina no país, mas ninguém denuncia, principalmente na região de Gabu.

Mas a luta para o abandono das práticas nefastas “não tem sido uma prioridade dos sucessivos governos da Guiné-Bissau”, considera.

“É preciso fazer uma leitura científica entre a taxa de mortalidade materna e infantil” e as práticas nefastas, defende Fatumata Djau Baldé, lamentando que isso só será feito quando o Governo perceber que abolir aqueles comportamentos é uma “causa nacional”.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) advertiu no início deste mês que mais 10 milhões de casamentos infantis podem ocorrer antes do final da década.

A pandemia, que provocou o encerramento de escolas, dificuldades económicas, interrupções nos serviços de acesso à saúde e a morte de pais, está a colocar as raparigas em situação mais vulnerável, correndo um maior risco de realizarem um casamento precoce.

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