Montevideu, uma relíquia do futebol

Mário Menezes recorda a sua visita ao Uruguai. Fã do futebol, o passeio joga-se em Montevideu e a sua táctica foi precisa e já bem treinada: o viajante anda sempre por estádios que possuem aquela mística.

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Estádio Centenário, vista para o relvado desde o topo da bancada central Mário Menezes

A capital do Uruguai normalmente é visitada em “bate-volta” desde Buenos Aires ou de passagem a caminho das praias de Punta del Este, mas justifica uma estada maior. Ali aterrei de noite vindo de Santiago.

A passagem foi curta e centrada no futebol. Estádios que possuem mística relacionada com grandes acontecimentos desportivos passados são pontos de visita nas minhas viagens.

Na América do Sul abundam os futebolistas mais talentosos e os adeptos mais fervorosos do mundo, tornando um simples jogo em mais do que um confronto desportivo, descambando habitualmente em desacatos com motivações políticas e sociais. Montevideu também respira futebol. Já deu ao mundo nomes como Daniel Fonseca, Enzo Francescoli, Diego Forlán, Rodolfo Rodríguez, Álvaro Recoba e a maior figura de sempre do futebol uruguaio, Alcides Ghiggia.

A manhã foi passada no velhinho Estádio Centenário e no Museu do Futebol que dele faz parte. Estádio cheio de História, ali foi realizado o primeiro Campeonato do Mundo em 1930, ganho pelo Uruguai. Construído para esse evento, mantém a sua traça original, longe dos padrões de conforto, modernidade e segurança dos estádios construídos actualmente. É palco dos jogos da selecção uruguaia e dos clássicos entre as duas maiores equipas da cidade: o Club Nacional de Football e o Club Atlético Peñarol.

Símbolo do Estádio Centenário é a Torre das Homenagens, erguida em honra dos campeões olímpicos de 1924 e 1928. Subindo os seus 100m desfruta-se da vista sobre o recinto e sobre a cidade. Em muitos jogos transmitidos na TV é mostrada a panorâmica do estádio visto do alto.  

O Museu do Futebol é um local de culto para o adepto do desporto-rei. Imensas relíquias: botas e camisolas de famosos jogadores, e até de árbitros; taças e fotografias de momentos marcantes da História do futebol, da selecção uruguaia e dos maiores clubes da cidade.

O jogo mais importante da história do futebol do Uruguai, a final do Mundial de 1950, tem ali grande destaque. Rio de Janeiro, Estádio do Maracanã, mais de 200.000 espectadores. Esperava-se que o Brasil fosse campeão do Mundo. O empate servia, pois o torneio disputava-se em moldes diferentes dos actuais. O Brasil fez 1-0. O Uruguai empatou por Schiaffino mas o pior estava para vir: Alcides Edgardo Ghiggia Pereyra, conhecido por Ghiggia, fez o golo da vitória a 11 minutos do fim. Uma “tragédia nacional” brasileira baptizada como “Maracanazo”.

Os jornais brasileiros já tinham as manchetes preparadas com o Brasil Campeão Mundial e os redactores tiveram de passar a noite a reescrever tudo. Toda a nação brasileira que menosprezou o adversário saiu em lágrimas. Diz quem presenciou o jogo que quando Ghiggia marcou se fez um “silêncio ensurdecedor”. Ghiggia, Frank Sinatra e o Papa foram as únicas pessoas que conseguiram silenciar o Maracanã. Ghiggia, com esse golo, apelidado de “golo do século” no Uruguai, tornou-se herói nacional e respeitado no Brasil, estando a marca dos seus pés na Calçada da Fama no Maracanã. Quis o destino que, exactamente 65 anos depois do “Maracanazo”, aos 88 anos, enquanto assistia a um resumo de um jogo de futebol, partisse. Foi o último herói dessa final a deixar o mundo dos vivos. Um ídolo no relvado, mas morreu na miséria! Homenagear Ghiggia, posando com a estátua, foi o ponto mais alto da minha passagem por Montevideu.

O resto do dia serviu para um passeio na marginal, pela zona portuária e centro histórico. Interessante e acolhedor, com edifícios coloniais, e várias lojas de cannabis, pois o Uruguai permite o seu cultivo e venda desde 2013. O Mercado del Puerto é um delírio para os amantes da carne! Imensas churrasqueiras servindo “cortes” deliciosos, sendo a tira de asado o mais pedido.  

Pena o tempo não ter dado para  visitar o Museu Andes 1972, dedicado às vítimas do acidente aéreo desse ano que transportava uma equipa de râguebi: 29 mortos e 16 sobreviventes, em condições inimagináveis, que demoraram 72 dias para serem encontrados. Uma história muito emocionante de superação e sobrevivência com contornos horríveis e canibalescos.  

Por fim, na catedral fiz o meu ritual de agradecimento divino, que é habitual quando visito locais religiosos. Depois fui a um café tomar um copo de vinho uruguaio e assim me despedi do 50.º país que visitei.

Mário Menezes, autor de alguns textos em www.amantesdeviagens.com

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