A batata quente da ministra da Agricultura

No âmbito da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, calhou a Maria do Céu Antunes a conclusão das negociações da nova Política Agrícola Comum que vigorará de 2021 a 2027 e que representa, a par do Fundo de Coesão, a maior área de despesa do Orçamento da União Europeia.

Há uma dúvida que assola qualquer ser humano quando exerce um cargo político: como será recordado na História? Na verdade, fazer algo relevante e diferente que tenha impacto positivo na vida das pessoas e no seu ecossistema é um processo complexo. Porém, quem tem responsabilidades públicas tem duas opções simples perante dossiers difíceis: ou ter a coragem para decidir (bem) ou simplesmente deixar-se levar pela espuma dos dias.

Esta introdução vem a propósito da tarefa nada fácil que caiu nas mãos da nossa ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes. No âmbito da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, calhou-lhe a “batata quente”, ou seja, a conclusão das negociações da nova Política Agrícola Comum (PAC) que vigorará de 2021 a 2027 e que representa, a par do Fundo de Coesão, a maior área de despesa do Orçamento da União Europeia (UE).

A ministra recentemente num artigo de opinião enumerou quatro prioridades para a sua área de governação durante a presidência portuguesa do Conselho Europeu.

1) Pretende uma reforma da PAC mais sustentável e mais resiliente. Esta primeira prioridade anunciada pela ministra pode estar ferida de eficácia, logo à partida, quando foi o próprio Conselho a fazer uma sugestão arbitrária para conceder apoios por hectare de valor mais baixo para formas de agricultura extensiva, as menos ambientalmente impactantes. A posição do Conselho também foi fraca no que respeita à condicionalidade da PAC (o conjunto de condições, geralmente ambientais, para atribuição dos subsídios agrícolas da UE). Não se pode falar também em resiliência quando é o próprio Plano Estratégico da PAC nacional optou por fazer uma aposta cega no regadio sem considerar alternativas baseadas na natureza e medidas naturais de retenção de água, culturas menos intensivas em água, etc.

2) O desenvolvimento rural para combate ao abandono dos territórios, fixação da população, renovação geracional, incremento de práticas sustentáveis e biológicas. Pergunto como é que se pode atingir este objectivo quando os poucos incentivos que estão previstos no Plano Estratégico da PAC nacional (PEPAC) não promovem a sustentabilidade nem a necessária transformação destas regiões promovendo a sua regeneração e a, fixação da população. Também não chegaremos a este objectivo enquanto não for acautelado também no PEPAC a valorização de actividades económicas ligadas a modos de produção extensiva, mais comuns nas zonas com maior risco de abandono.

3) Segurança alimentar: reforço da suficiência alimentar europeia, sustentabilidade das cadeias de abastecimento, alicerçada no bem-estar animal e na sanidade vegetal, dando especial atenção às medidas de protecção fitossanitárias substitutas ou complementares à luta química.

Lendo e relendo os documentos do PEPAC publicados até ao momento, não há nenhuma intervenção prevista para implementação de medidas de protecção fitossanitárias substitutas ou complementares à luta química. Em relação ao conceito de suficiência alimentar, acredito que é o momento de reconhecer que, no mundo globalizado em que vivemos, nenhum país pode ser inteiramente auto-suficiente, mas pode, e deve, melhorar a sustentabilidade dos alimentos produzidos no seu território.

4) Inovação: aposta na transferência de conhecimento, transição digital do sector agro-alimentar, promovendo um uso mais eficiente dos recursos.

Infelizmente há um contra-senso entre este objectivo da presidência portuguesa e a proposta do Conselho para atrasar a implementação da ferramenta de gestão sustentável dos nutrientes nas explorações agrícolas para 2025. Acresce que não se percebe esta insistência na palavra “inovação” quando são os governos dos Estados-membros, representados no Conselho Europeu, que parecem ser os principais bloqueadores ao proteger o status quo dos subsídios agrícolas. Neste ponto, aconselho a lerem o relatório elaborado pelo Parlamento Europeu sobre os 50 maiores beneficiários dos fundos da PAC. Ao olhar para a lista em Portugal, facilmente chegamos à conclusão de que os maiores beneficiados são entidades na esfera do Estado (DRAP, EDIA, IFAP, etc.), os grandes agricultores e os grupos agrícolas. Será o Estado capaz de usar estes apoios para apoiar a inovação na transição para modos de produção agrícola mais sustentáveis, ou continuará a usar estes fundos para se auto-financiar?

E que papel terá a ministra da Agricultura enquanto responsável por esta pasta no âmbito da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia? Maria do Céu Antunes pode ter um papel central na concretização de uma PAC mais amiga do ambiente. Como negociador principal nos trílogos da PAC que deverão estar concluídos antes de Junho de 2021, Portugal deve abraçar de forma transparente as melhorias que aproximem a PAC do que é verdadeiramente necessário: uma política agrícola renovada e inovadora que ofereça um apoio justo aos agricultores na transição para a sustentabilidade.

O que se espera da ministra da Agricultura é que faça História (com H grande, em oposição a quem na história com h pequeno nada decide e deixa tudo na mesma). A PAC tem de estar alinhada com as necessidades e expectativas dos europeus, que exigem um melhor ambiente e a sua natureza de volta porque compreendem que a nossa prosperidade e bem-estar dependem disso. Não pode permanecer em desacordo com o Pacto Ecológico Europeu e a transição verde, e ainda assim esperar manter o apoio dos cidadãos.

Precisamos de uma PAC em que as histórias de sucesso possam ser a regra para lidar com desafios críticos como a perda de biodiversidade, a degradação do solo, a escassez da água, as alterações climáticas, o despovoamento rural e os incêndios.

Faça-se História em Portugal pelo ambiente e pelos cidadãos europeus!

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