A fina arte de escolher um nome

Em nome da prosperidade das gerações futuras, sejam inventivos se tiverem de dar um nome a uma criança.

Perdoem-me a impertinência, mas os tempos que correm carecem de uma acção de formação para quem anda a ter filhos. Sendo da casta millennial, estou habilitado a falar do assunto porque (1) tenho a impertinência a correr-me no sangue, em particular quando se trata de falar do que não sei e (2) demasiada gente à minha volta anda a ter filhos, e temo por uma epidemia de nomes banais.

Os nomes banais são uma epidemia desde há muito. Não é mal de agora. Quem não se lembra da turma carregadinha de Anas e Joões? Ou, olhando lá mais para trás, de Marias e Antónios? E a minha geração, já esquecida da lição, persiste no mau hábito. De que modo? Construindo um batalhão de Leonores e Matildes e Santiagos e Franciscos.

É isto que querem para os vossos filhos? Este futuro trágico, dramático, uma perdição anunciada numa certidão de nascimento? Que sejam mais um no meio de muitos? Qual será a sensação do vosso rebento quando olhar à volta e vir que todos os pais tiveram a originalidade de uma bota? Perdoem-me. Exaltei-me.

Dizia eu, a minha teoria é a seguinte: um nome é parte fundamental de uma personalidade, e qualquer pessoa que cresça munida de um nome banal está condenada a tornar-se banal. Crescer no meio de outros dezasseis Rodrigos deve dar cabo do sentimento de “sou único e devo comportar-me como tal” de qualquer criança. Não puxamos o melhor dos nossos miúdos se lhes dermos nomes iguais, porque o nome é construtor de identidade. Façamos um teste: se vos falar de um Matias e de um André, que diferenças antecipam no espírito de cada um deles?

Como todas as teorias, a minha também se presta à falibilidade. E aí estão todas as pessoas com nomes aparentemente banais que decidiram, por si e com as suas experiências, tornar a sua existência numa coisa especial. Imaginemos uma Joana a voar sobre as suas sapatilhas, alegre e confiante, como quem diz “tenho um nome comum, mas a minha personalidade não combina”. É esta recusa que faz prosperar uma pessoa com um nome banal. Portanto, pessoas de nomes banais, não esmoreçam à partida. Há salvação. Mas é-vos exigida uma resiliência acrescida. Sejam fortes.

Eis um corolário para a minha tese, que tenho testado ao longo de anos e anos junto dos poucos que têm tido pachorra para me aturar. Um bom nome tem de aguentar quatro momentos definidores da vida de uma criatura: primeiro, tem de ser um nome adorável para um bebé. Um cachopo de seis meses chamado Osório ou Augusto é coisa que não combina. Da mesma forma, tem de ser um nome que comporte a carga de se ser avô. “A avó Tatiana” é uma combinação que tem tudo para falhar. Em terceiro lugar, é preciso que o nome resulte no adulto e que não fique para sempre preso à infância. Por exemplo, chamar Matilde a uma adulta é sempre menos fofinho do que olhar para uma criança com esse epíteto. Finalmente, claro, tem de ser um nome que resulte na cama. “Ai, Arnaldo, vai, Arnaldo, que leão, Arnaldo ” é capaz de ser coisa um pouco esquisita de se dizer, mas que sei eu da vida?

O que eu sei é que, se tivesse optado pelo uso do meu segundo nome, Filipe, não me sentiria tão diferente quanto senti com um nome um pouco menos usual: Nelson, ainda para mais sem acento, à inglesa, só para dar ares (falsos) de ser selecto. Claro que não sou especial, mas é certo é um nome que me dá confiança suficiente para vir para um jornal insultar metade da população por causa de uma tese onomástica. Mil perdões, desde já.

Em nome da prosperidade das gerações futuras, sejam inventivos se tiverem de dar um nome a uma criança. Porque, para cinzentões, já bastamos nós, que crescemos com nomes mais ou menos banais. Não temos de entregar essa herança aos que nos prolongam a linhagem. 

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