Câmara de Coimbra vai enviar para o Ministério Público contratos de ex-vereador com empresa do filho

Enquanto responsável pelos transportes municipais de Coimbra, Jorge Alves, que saiu do cargo na sexta-feira, assinou contratos com empresa do filho.

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PAULO RICCA / PUBLICO

A Câmara Municipal de Coimbra anunciou no passado sábado que o vereador socialista Jorge Alves tinha apresentado o seu pedido a demissão e que este tinha sido “imediatamente aceite” pelo presidente, Manuel Machado. Não era apresentado o motivo para a saída do vereador, que era também presidente do conselho de administração dos Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos de Coimbra (SMTUC) desde Dezembro de 2017. Um dia depois, a oposição camarária estava a pedir explicações a Manuel Machado, a falar em ilegalidades e a pedir investigação do Ministério Público. Pelo meio, estão notícias na imprensa local (Diário de Coimbra e Notícias de Coimbra) que dão conta de quatro contratos, num montante total de 215,4 mil euros, entre os SMTUC e a Stra SA, empresa que tem o filho e o sobrinho de Jorge Alves como administradores.<_o3a_p>

Já nesta segunda-feira, fonte oficial da Câmara Municipal de Coimbra confirma ao PÚBLICO que a demissão do vereador que tinha também os pelouros de Educação, Acção Social e Protecção Civil está relacionada com os contratos assinados com a Stra SA. Isto porque, antes das notícias e do pedido de demissão, no dia 24 de Fevereiro, o Movimento de Humor, uma página no Facebook, tinha publicado um cartoon da autoria de José Gomes, que visava o vereador, o filho e o sobrinho. Na legenda, a página referia que Jorge Alves tinha comprado sistemas de GPS e de Internet e que estes “andam todos avariados”, perguntando se “a empresa que vendeu o sistema GPS” teria “ou não relação familiar com o senhor Jorge Alves”. <_o3a_p>

“Tomámos conhecimento do cartoon. O presidente pediu esclarecimentos e não os teve. Houve uma quebra de confiança”, explica fonte da autarquia. Assim, no mesmo dia em que Jorge Alves entregou o seu pedido de demissão, a câmara determinou a abertura de um processo interno “para averiguar eventuais irregularidades”. A CMC, acrescenta a mesma fonte, está a compilar informação sobre processos administrativos e contratos para remeter ao Ministério Público, o que deverá acontecer ainda esta semana. No fim-de-semana, a oposição tinha pedido a intervenção do Ministério Público.<_o3a_p>

Quatro contratos<_o3a_p>

Entre 2016 e 2019, os SMTUC assinaram quatro contratos com a Stra SA, que opera com o nome comercial Stratio, no valor de 215,4 mil euros. Dois deles, um de Julho de 2016 e outro de Setembro de 2017, foram assinados quando Jorge Alves era vogal dos SMTUC e Rosa Reis Marques (agora à frente da Administração Regional de Saúde do Centro) ocupava a presidência do conselho de administração. O agora ex-vereador sucedeu a Reis Marques em Dezembro de 2017, data após a qual celebrou mais dois contratos com a empresa do filho: um em Julho de 2018 e outro em Outubro de 2019, num valor total de 118,9 mil euros. <_o3a_p>

A página que publicou o cartoon sobre o vereador é dinamizada por José Gomes. O cartoonista explica ao PÚBLICO que o desenho em questão teve por base informação que lhe chegou mas que tratou de confirmar e fundamentar. José Gomes compõe também cartoons para as newsletters do movimento Somos Coimbra e refere que é filiado no CDS.<_o3a_p>

As reacções do PSD e do Somos Coimbra chegaram no domingo e a da CDU já nesta segunda-feira. O PSD repudia “veementemente o silêncio ensurdecedor” de Manuel Machado. “A confirmar-se”, aponta a concelhia presidida por Carlos Lopes, “o caso configurará uma dupla ilegalidade” por violação do Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos. <_o3a_p>

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O cartoon do Movimento Humor Gomes

O Somos Coimbra, que elegeu dois vereadores em 2017, também entende que os contratos assinados entre os SMTUC e a empresa do filho do vereador são “uma clara violação da lei” e diz esperar “que o Ministério Público investigue em profundidade”. O movimento de José Manuel Silva pede ainda “rápidas e claras explicações” aos outros dois vereadores do conselho de administração dos SMTUC, Regina Bento (PS) e Francisco Queirós (CDU), que considera “co-responsáveis nos procedimentos pouco claros que agora levaram à demissão do vereador Jorge Alves”. O Somos Coimbra entende que os autarcas não têm condições para continuar nos respectivos cargos. <_o3a_p>

Avaliação diferente faz Manuel Machado, que aproveitou o comunicado sobre a saída de Jorge Alves para reiterar a confiança em Regina Bento e Francisco Queirós, que “têm desempenhado as suas funções com competência, probidade e idoneidade na prossecução do interesse público”. <_o3a_p>

Também a CDU “condena veementemente os actos ilícitos que terão sido praticados pelo ex-vereador”. A coligação de comunistas e verdes que tem um vereador na autarquia de Coimbra entende que “a ligação de uma empresa a familiares seus, obviamente, teria de ser do conhecimento do ex-vereador, que, contudo, o encobriu, demonstrando falta de lealdade e probidade, causando deste modo ainda danos à própria imagem do serviço público” e pede que se “apurem todos os factos”.<_o3a_p>

A Stratio, que tem sede no Instituto Pedro Nunes, em Coimbra, desenvolve tecnologia de gestão de frotas e, dos sete contratos assinados com entidades públicas, quatro são com a empresa municipal que gere os transportes públicos de Coimbra. Nos vários contratos, todos celebrados por ajuste directo, os SMTUC adquiriam a esta empresa o fornecimento e instalação de equipamentos que acompanham as necessidades de manutenção dos veículos em tempo real, bem como o serviço lhe está associado. <_o3a_p>

O substituto de Jorge Alves na vereação será o deputado do PS no Parlamento, Tiago Estêvão Martins. Um novo presidente do conselho de administração dos SMTUC será nomeado “oportunamente”. O PÚBLICO tentou, sem sucesso, contactar o ex-vereador.<_o3a_p>

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