Cem anos depois de inaugurado, o ramal ferroviário de Maceira-Liz deixou de transportar cimento

Transporte rodoviário “imbatível” ao nível dos preços leva Secil a desistir do caminho-de-ferro. Ramal ferroviário de cinco quilómetros mantêm-se como activo estratégico da empresa.

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construção do ramal da Martingança em 1921. Da fábrica da Maceira chegaram a sair quatro comboios de cimento por dia Secil

O ramal ferroviário de Maceira-Liz, que liga a fábrica de cimentos à estação de Martingança, na linha do Oeste, foi inaugurado em 1921 e serviu ainda nesse ano para transportar maquinaria pesada para aquela unidade industrial. Durante cem anos por ali foram escoados milhões de toneladas de cimento, mas em 2021 a Secil optou por adjudicar o transporte de toda a sua produção naquela fábrica por via rodoviária.

Fonte oficial daquela empresa explica que “em 2020, por razões técnicas e comerciais, a Secil transportou bastante menos cimentos por via férrea, privilegiando conjunturalmente o transporte rodoviário”. As razões têm a ver com o preço e as condições de serviço, sendo certo que “a falta de electrificação da linha do Oeste até à estação do Louriçal tem provocado constrangimentos que ditam a não preferência pela transporte ferroviário”.

Isso mesmo é confirmado pela Medway (antiga CP Carga), que diz que “a operação rodoviária tornou-se absolutamente imbatível, tanto mais que a solução ferroviária assenta no diesel”.

Os comboios rebocados com locomotivas a diesel têm custos de produção mais elevados, mas tanto a fábrica de Pataias como a de Maceira-Liz, ambas da Secil, são servidas por uma linha que ainda não foi modernizada. No Louriçal, 47 quilómetros a norte da Maceira, a linha do Oeste já é electrificada, mas as manobras de mudança de locomotiva a diesel para outra eléctrica comportam igualmente custos que tornam o modo ferroviário pouco competitivo.

Carlos Vasconcelos, presidente da Medway, não tem dúvidas. “A electrificação da linha do Oeste permitiria, seguramente, tornar a ferrovia competitiva”, disse ao PÚBLICO.

O fim do transporte de cimento por comboio não é o fim daquele ramal ferroviário privativo de cinco quilómetros. A Secil diz que aquela infra-estrutura “é um activo estratégico da empresa que se pretende manter operacional, caso seja necessária a sua utilização futura”.

O que agora é uma linha desactivada, foi em tempos intensamente utilizada. Joaquim Pinto, um ferroviário que trabalhou na Martingança nos anos 60, contava numa entrevista à Gazeta das Caldas (5/08/2016) que naquela estação “foi onde eu mais trabalhei porque não se parava um minuto”. Do ramal para a fábrica da Maceira saíam quatro comboios de cimento por dia. “Era preciso formar os comboios, engatar os vagões, fazer as manobras… Sempre com o coração nas mãos porque aquilo fica num alto e qualquer descuido podia levar o material a deslizar por ali abaixo”.

A electrificação da linha do Oeste entre Caldas da Rainha e Louriçal ficou de fora do Ferrovia 2020, mas está prevista no PNI 2030. A sul das Caldas, deveria ter ficado concluída em 2020, mas as obras nem sequer começaram. O investimento no troço norte não tem ainda qualquer calendarização, pelo que não será tão cedo que o modo ferroviário se tornará competitivo para o transporte de cimentos.

Em contrapartida, a Secil iniciou já em Janeiro deste ano “uma robusta operação ferroviária com origem no entreposto de Praias do Sado (Setúbal) com destino aos entrepostos de Mangualde, Braga e Penafiel, com serviço prestado pela Medway”. O cimento é transportado em camiões desde a fábrica do Outão e embarcado em Praias Sado, onde, com uma frequência trissemanal, comboios (de tracção eléctrica) de 28 vagões, e com um peso de 700 tonelados, abastecem aqueles entrepostos.

“A Secil tem um forte compromisso com a sustentabilidade crescente da sua actuação e pretende continuar a utilizar o transporte ferroviário e marítimo na distribuição de cimento, sempre que a relação custo-beneficio se manifestar favorável”, diz a empresa. Mas para isso é necessário melhores linhas e mais concorrência: “a Secil desejaria ter, como é óbvio, uma infraestrutura ferroviária nacional mais extensa, sólida e operacional, servida por operadores ferroviários mais numerosos, flexíveis e competitivos entre si, que prestassem um serviço mais diversificado e eficaz”.

Por enquanto, porém, a cimenteira só poderá contar com dois operadores ferroviários de mercadorias: a Medway e a Takargo.

Já no transporte marítimo, as suas exportações para os terminais de Cabo Verde, Espanha e Holanda são efectuados integralmente por via marítima a partir do seu cais privado da Secil-Outão. E mesmo no mercado interno, é também aí que é carregado o cimento com destino aos entrepostos marítimos que a empresa detém em Aveiro, Leixões e Viana do Castelo.

Já as fábricas de Pataias e Maceira-Liz, apesar de se situarem à beira da linha, continuarão e ser servidas por camiões e a ver passar os comboios.

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