Vacinacão

Há ainda um longo caminho a percorrer até termos instituídas organizações mundiais, imunes a interesses geoestratégicos ou jogos financeiros, que pautem as suas decisões pelo interesse exclusivo da humanidade.

Não, não me esqueci da cedilha. O mundo da vacina covid é que tomou forma de mundo cão. Enquanto alguns países regurgitam vacinas, caso do Canadá, que assegurou a compra de 400 milhões de unidades para uma população que ronda os 40 milhões, os da União Europeia não vão poder cumprir o plano vacinal delineado por incumprimento contratual das farmacêuticas do nosso hemisfério, e os do costume não sabem ainda se/quando irão ter vacinas.

Para não falar do salve-se quem puder, dos países que decidiram resolver o problema por conta própria, como Israel que, para ser o primeiro a poder vacinar-se, pagou o dobro do preço por vacina à Pfizer, a Hungria, que as comprou diretamente à Rússia, ou a própria Alemanha que, jogando em dois tabuleiros, tratou de comprar à margem da UE uns três milhões de vacinas à Pfizer, não fosse o diabo tecê-las.

Atente-se agora na problemática do regulador em torno da aprovação da vacina da AstraZeneca. A FDA (EUA) não aprovou o seu uso. A EMA (UE) só a aprovou para menores de 65 anos, na Grã-Bretanha começou a ser administrada a toda a população ainda antes do regulador próprio, pós-"Brexit”, a ter aprovado para uso clínico. Ou seja, três reguladores do designado mundo ocidental têm leituras bem distintas dos resultados do ensaio clínico apresentados pelo consórcio Anglo-Sueco.

Sabemos agora que a AstraZeneca teve em 2020 um aumento nos lucros de 159% face ao ano anterior. Difícil acreditar que o “negócio” nada tem a ver com os jogos de sombras em torno das vacinas, ou será que alguém acredita que foi mera coincidência ter sido nomeado, na era Trump, para presidente da GAVI (maior ONG do mundo das vacinas) uma personalidade da Goldman Sachs que calha ser Português?

Gostaria de poder falar de outros hemisférios mas pouco se sabe. Apenas que as vacinas de fabrico Chinês, bem ou mal, foram descredibilizadas por estas bandas e que a vacina Russa, alegadamente superior em eficácia à “gémea” da AstraZeneca, procura romper a barreira do regulador Europeu publicando os resultados numa prestigiada revista científica internacional de ADN Britânico, The Lancet.

Enquanto isso, a OMS, apertada entre um surto infecioso mundial indomável e os diversos interesses económicos e geopolíticos em torno das vacinas, toma uma posição pragmática: tomem a disponível, venha de onde vier, concebida segundo esta ou aquela tecnologia, o importante é que se vacine rapidamente a maior parte da população mundial.

A pandemia veio mostrar que só o vírus não conhece barreiras – a Saúde Pública, numa perspetiva global, é ainda uma miragem. Quando se exige colaboração estreita entre áreas geopolíticas para controlar uma nova doença infeciosa, o que vemos é cizânia. Há ainda um longo caminho a percorrer até termos instituídas organizações mundiais, imunes a interesses geoestratégicos ou jogos financeiros, que pautem as suas decisões pelo interesse exclusivo da humanidade.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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