Que benefícios da pandemia covid-19?

Não podemos prever que condicionantes para a saúde nos trará no futuro mas, tal como muitos outros micróbios (não todos...), esta infeção poderá não vir a ser um problema major de saúde. Afinal de contas, os micróbios, ao contrário do que dizia um político há tempos atrás, “não são “estúpidos”.

Ninguém duvida dos efeitos negativos da pandemia covid-19. Enumeramos os mais evidentes: a) um aumento excessivo da mortalidade nos idosos e nos não-idosos com multimorbilidades, assim como de algumas pessoas saudáveis mas geneticamente hipersuscetíveis ou com resposta imunitária demasiado potente que lesa o próprio organismo, b) um terrível problema social decorrente da importante diminuição das condições económicas e sociais da população mais vulnerável, c) uma deterioração do ensino, com grave repercussão potencial na população estudantil e, d) a dor, a tristeza e a depressão associadas ao isolamento social, entre outras.

Mas será que esta pandemia também poderá também trazer alguns benefícios à humanidade?

De um ponto de vista científico, temos de admitir que é fantástica a relação do ser humano, em especial do seu sistema imunológico, com o mundo dos micróbios. 

O corpo humano é colonizado por triliões de micróbios e é constituído por dez vezes mais bactérias que células humanas. Estes microrganismos são essenciais para um adequado funcionamento do corpo humano, por exemplo na produção de vitaminas. Um dos campos de excelência de investigação científica é a influência do microbioma e especificamente da microbiota (o conjunto de micróbios existente nos intestinos) na proteção ou no desenvolvimento de doenças.

É sabido que os micróbios são um grande fator de pressão da evolução humana. São muitos os exemplos que se poderiam dar. Em África, a malária, a qual ainda não foi erradicada e que continua a infetar e matar tantas pessoas, condicionou a seleção de gene resistente (DARC) a esta infeção mas, por outro lado, aumentou a suscetibilidade à infeção pelo VIH (o que poderá ser mais uma das explicações para a dimensão do problema desta infeção no continente africano). Na Europa, sabe-se que até 20% da população terá uma mutação do gene CCR5 essencial para a entrada do VIH nas células, o que torna este grupo de pessoas mais resistentes a esta infeção (1% dessas pessoas não serão mesmo infetáveis) mas, no reverso da medalha, mais suscetíveis a outras infeções víricas (como vírus da gripe, por exemplo). Esta mutação no gene terá resultado de uma infeção que atingiu seriamente a espécie humana há muitos anos, como a peste bubónica ou a varíola.

A nossa relação com os micróbios tem uma longa história e esta vai continuar, para o bem e para o mal. Vírus como o VIH poderão, daqui a centenas de anos, vir a estar integrados no nosso genoma, como já acontece com alguns vírus da mesma família (retrovírus).

Em suma, a interação humanos-micróbios influencia o nosso futuro imediato e a longo prazo, com consequências negativas e positivas e, no entanto, conhecemos menos de 1% das bactérias que se pensa existirem, como escreveu Laurie Garrett no livro The Coming Plague, citando a prestigiada microbiologista Rita Colwell .

Que efeitos positivos poderão advir desta pandemia que vivemos?

Não podemos prever que condicionantes para a saúde nos trará no futuro mas, tal como muitos outros micróbios (não todos...), esta infeção poderá não vir a ser um problema major de saúde. Afinal de contas, os micróbios, ao contrário do que dizia um político há tempos atrás, “não são “estúpidos”. O seu objetivo é sobreviver e reproduzir-se. Por isso aprendem a conviver melhor com o sistema imunológico humano (não querem “matar o hotel”), para tal alterando as suas caraterísticas que estimulam uma resposta imune mais potente.

Na área do comportamento social, também devemos retirar algumas consequências: aprendemos a ter mais cuidado com os outros, tendo mais cuidado com nós próprios. O uso da máscara, que culturas asiáticas, como a japonesa, usam há tanto tempo, leva à diminuição da transmissão de infeções pelas micro-gotas em aerossol e o hábito da lavagem e a desinfeção das mãos tem um grande impacte benéfico. A manutenção destes comportamentos poderá certamente traduzir-se na diminuição de casos de gripe na sociedade e na diminuição das infeções intra-hospitalares (aguardemos os dados).

Esta pandemia covid-19 melhorou o nosso comportamento social e esta “onda” deveria ser aproveitada eventualmente com o apoio dos media, para melhorarmos muitos outros aspetos do respeito interpessoal como, por exemplo, não deitar lixo para o chão, demonstrar civilidade na condução, preservar o direito ao silêncio nos espaços públicos, dar passagem aos outros nas escadas rolantes, respeitar as filas, não ferir a sensibilidade das pessoas com os nossos comportamentos, entre outros.

São igualmente exemplos a rápida implementação do teletrabalho e o enorme uso do digital para reuniões nas diversas áreas de trabalho.

Aproveitemos, enquanto sociedade – os organismos do Estado, os media, etc. – e enquanto indivíduos, a sensibilidade que esta pandemia despertou em nós, para andarmos para a frente e ganharmos alguns anos na evolução humana, no que respeita a estes aspetos da cultura social.

Mesmo do pior, podemos e devemos retirar ensinamentos para melhorarmos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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