Papel químico

Entalado entre os sociais-democratas e a extrema-direita, o desafio de Francisco Rodrigues dos Santos é mais difícil do que parece: descobrir o novo espaço do CDS.

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LUSA/ANTÓNIO COTRIM

A crise que assolou a liderança do CDS no final do primeiro ano de mandato já antes me parecera idêntica àquela que Rui Rio atravessou precisamente no seu primeiro ano à frente do PSD. Depois deste fim-de-semana, confirmaram-se as minhas suspeitas: foi passada a papel químico.

A metáfora não é muito feliz nos dias que correm. O papel químico caiu em desuso e tornou-se de tal modo obsoleto na era das novas tecnologias e da Internet que os leitores mais jovens nem saberão do que escrevo. Usada entre duas folhas de papel, esta técnica servia, essencialmente, para produzir um documento e a sua cópia antes de existirem fotocopiadoras.

Foi mais ou menos o que fizeram Adolfo Mesquita Nunes e Francisco Rodrigues dos Santos: decalcaram o desafio de Luís Montenegro a Rui Rio e a resposta do segundo. Os partidos da direita tradicional, dita social e democrata-cristã, passaram assim, com a diferença de dois anos por um pedido de eleições internas antecipadas (ou congresso, no caso do CDS) que foi rejeitado pelo líder e pela marcação de um conselho nacional que votou uma moção de confiança e confirmou a legitimidade do líder eleito. Pelo meio, houve zangas e opiniões diferentes sobre a forma de votar a moção, o que aconteceu tanto num partido como no outro. 

É no mínimo curioso que os detalhes da história se repitam em dois partidos diferentes com tão pouco tempo de diferença. E é estranho que dois líderes de gerações tão distintas respondam à crise dos seus partidos exactamente da mesma maneira — papel químico. 

Visto daqui, parece que o CDS ainda não conseguiu descolar do PSD, desde os tempos em que Pedro Passos Coelho e Paulo Portas geriram os destinos do país (entre 2011 e 2015), numa espécie de bloco de direita, mais liberal do que até então. E quando uso o verbo descolar, quero dizer apresentar-se como visão alternativa, independente e galvanizadora — e não como um subproduto. 

Entalado entre os sociais-democratas e a extrema-direita, o desafio de Francisco Rodrigues dos Santos é mais difícil do que parece: descobrir o novo espaço do CDS antes que o CDS seja engolido pelo espaço.

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