São precisos 300 mil computadores para o ensino à distância, segundo os directores

Famílias perceberam que “não chega ter um computador em casa” e houve mais pedidos de equipamentos do que no primeiro confinamento

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Paulo Pimenta

Há pelo menos 300 mil estudantes que não têm um computador próprio para poder acompanhar as próximas semanas de aulas à distância, aponta uma estimativa feita pela Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE). Este número tem por base os inquéritos sobre a acessibilidade digital que têm sido feitos pelas escolas para preparar o regresso do ensino remoto, a partir de segunda-feira. Há mais pedidos de equipamentos do que no primeiro confinamento.

Em Março, quando as escolas tiveram, pela primeira vez, que a adoptar o regime de ensino à distância, a mesma ANDE estimava que seriam 200 mil os alunos do básico e secundário que não tinham um computador com acesso à Internet para acompanhar as aulas. Seria expectável que, quase 11 meses volvidos, e depois de no 1.º período já terem sido entregues 100 mil equipamentos no âmbito do programa Escola Digital, o cenário fosse mais favorável.

Os números avançados pela ANDE apontam para um mínimo de 300 mil estudantes sem equipamento informático em casa, mas o número pode até ser maior e aproximar-se dos 350 mil, antecipa o presidente daquela associação de directores de escolas, Manuel Pereira. A aprendizagem que, tanto as escolas como as famílias, fizeram nos últimos meses sobre a forma como pode funcionar o ensino remoto explica esta evolução.

Desta vez, a generalidade dos directores não perguntou se havia um computador com ligação à Internet em casa, antes quis saber se cada aluno tinha um equipamento com o qual pudesse acompanhar as aulas síncronas e ter acesso aos conteúdos disponibilizados online pelos professores.

As próprias famílias perceberam que “não chega tem um computador em casa”, afirma Manuel Pereira. Os pedidos de empréstimo de equipamento que chegaram às escolas aumentaram em comparação com o que aconteceu em Março. “Numa família de cinco, com três filhos na escola e os dois pais em teletrabalho, todos precisam de computador, caso contrário a situação é complicada”, ilustra o presidente da ANDE.

Os 300 mil computadores que a ANDE diz serem necessários para as próximas semanas aproximam-se do número de equipamentos já garantidos pelo Ministério da Educação – a compra de mais 15 mil unidades aprovada esta semana eleva para 350 mil os portáteis adquiridos.

O ministério “prevê que [os computadores] comecem a ser distribuídos no segundo período lectivo”. Ou seja, até ao final de Março. A maior ordem de compra (três contratos, que totalizam cerca de 240 mil equipamentos), que foi recentemente tornada pública, tem como prazo de entrega 25 de Março.

O primeiro-ministro chegou a anunciar, em Abril, que “o acesso universal à rede e aos equipamentos a todos os alunos dos ensinos básico e secundário” estava assegurado no início do ano lectivo, mas depressa o Governo reviu a promessa e anunciou que o programa Escola Digital seria faseado.

O Ministério da Educação definiu então que a prioridade na entrega seria dada aos alunos carenciados. Foi isso que aconteceu com os 100 mil equipamentos já entregues no ensino secundário. Os computadores a ser entregues no 2.º período têm também como destinatários os beneficiários de escalão A e B da Acção Social Escolar.

Entre os computadores entregues ou já comprados, somam-se 450 mil equipamentos, que serão suficientes para todos os alunos carenciados – cerca de 366 mil estudantes, segundo o relatório Estado da Educação 2019. Ou seja, depois de distribuídos estes portáteis, ainda vão sobrar cerca de 85 mil, permitindo iniciar a terceira fase de distribuição que abrange os restantes alunos.

Mas não são só os alunos carenciados a precisar de um computador com ligação à Internet, alerta Manuel Pereira: “Há famílias que não cumprem os critérios da Acção Social Escolar, mas que não têm possibilidade de comprar um equipamento que faz falta”. O presidente da ANDE lembra que “há outros problemas” além da falta de computadores, nomeadamente com a Internet que, em muitas zonas do país, “não existe ou não é boa”.

“Se amanhã todos tiverem os computadores em cima da secretária seria óptimo, mas não vai resolver tudo”, concorda o investigador da Nova School of Business and Economics Pedro Freitas. Nas casas de muitos alunos faltam também “as condições físicas e o acompanhamento adequado”, acrescenta Hugo Reis, investigador da Universidade Católica.

Estes dois economistas foram autores de um artigo, publicado no portal Iniciativa Educação na primeira fase da pandemia, em que apontavam que cerca de 50 mil alunos do ensino básico não teriam acesso à Internet a partir de casa. Essa estimativa tinha por base dados do Instituto Nacional de Estatística do final de 2019. A última actualização desse indicador, feita em Novembro, mostra que a proporção de famílias com filhos até aos 15 anos sem acesso à Internet baixou de 5,5% para 1,8%. Ou seja, apenas perto de 18 mil alunos do ensino básico continuam a não poder navegar a partir de casa.

Dados de uma investigação da Nova School of Business and Economics, de que faz parte Pedro Freitas, mostram também que houve um aumento no número de alunos com acesso a um computador com Internet em casa desde o início da pandemia. Em Março, 22% diziam não ter um equipamento com conectividade, o que corresponderia a cerca de 300 mil alunos do básico e secundário. Dois meses depois, este indicador baixou para 13% (quase 180 mil alunos). A amostra é, porém, relativamente pequena, tendo respondido ao inquérito em ambos os meses 356 professores.

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