CDS ensaia ajuste de contas

Francisco Rodrigues dos Santos admitiu “erros”, Adolfo Mesquita Nunes defende uma “liderança credível”.

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Francisco Rodrigues dos Santos não poupou os críticos mas aceitou o voto secreto da moção de confiança LUSA/ANTÓNIO COTRIM

Foram longas horas de troca de acusações, de palavras duras, de discussões jurídicas. O conselho nacional do CDS foi sobretudo um ajuste de contas com o passado com algumas peripécias. O desfecho da votação da moção de confiança ainda é incerto. Mesmo que seja aprovada, o clima de guerrilha interna parece não cessar. 

Depois de decidida a votação da moção por escrutínio secreto, o líder do CDS fez um discurso de algumas cedências – admitindo “erros” e um congresso logo após as autárquicas –, mas também com farpas para Adolfo Mesquita Nunes. O vice-presidente da anterior direcção de Assunção Cristas optou por não responder e insistiu na realização de um congresso antecipado.

As primeiras horas da reunião, a decorrer por videoconferência e que passou a estar acessível aos jornalistas, foram consumidas a discutir estatutos e regulamentos a propósito de uma questão não assim tão inocente: o método de votação da moção de confiança à direcção de Francisco Rodrigues dos Santos.

Os apoiantes do congresso antecipado, liderados por Adolfo Mesquita Nunes, insistiram no escrutínio secreto por considerarem que evitava influenciar a decisão de voto de cada um ao contrário da votação nominal. Para esse objectivo, que em tese seria desfavorável à direcção, muniram-se de um parecer do conselho de jurisdição nacional, que concluiu pela votação secreta. Mas o presidente do conselho nacional, Filipe Anacoreta Correia, insistiu em colocar à votação da ordem de trabalhos do próprio conselho nacional – a “apresentação, discussão e votação da moção de confiança”.

Como será a votação da moção? A pergunta foi insistentemente lançada pelo eurodeputado Nuno Melo – que mais tarde veio dizer que não era apoiante de Adolfo Mesquita Nunes nem de Francisco Rodrigues dos Santos – e por outras vozes próximas do ex-vice-presidente. Ao fim de três horas, a ordem de trabalhos era aprovada por uma maioria de 143 votos, 20 votos contra, e 25 abstenções. Mais de 40 conselheiros decidiram não votar em protesto. Adolfo Mesquita Nunes anuncia que abandona (em modo virtual) a reunião por considerar que o presidente do conselho nacional tomou uma decisão “ilegal” e “cobarde” ao ignorar o parecer do “tribunal” do partido.

Mais tarde, o antigo vice-presidente anunciaria, nas redes sociais, que voltava à reunião. Fê-lo depois de uma intervenção dura de Francisco Rodrigues dos Santos: “Eu estou cá e dou a cara pelo meu projecto. Não tenho medo do voto secreto. Não apareci agora para ser candidato a candidato”. O líder do partido respondeu ainda a outra farpa lançada por Mesquita Nunes: “Entrincheirado? Eu fui eleito pelos militantes. Não fui entrincheirar-me num escritório e agora lembrei-me de ser candidato ao partido”.

Francisco Rodrigues dos Santos voltaria a atacar os críticos – Telmo Correia e Nuno Melo registaram o tom agressivo – na sua intervenção de fundo. Considerou que não foi “desejado pela nomenclatura do partido e que se provou “ao longo do mandato” que nunca foi aceite “como legítimo presidente do partido”. O líder, eleito há um ano, afirmou ser “muito irónico que os mais entusiastas do rumo anterior, apareçam agora envergando o manto de benfeitores, querendo correr com esta direcção que se debate diariamente para reerguer o partido”. Rodrigues dos Santos recordou o episódio do entusiasmo interno sobre uma eventual candidatura presidencial de Adolfo Mesquita Nunes e deixou o recado para o dirigente que se considera ser bem visto noutros quadrantes políticos: “Não somos nem queremos ser a coqueluche da esquerda”.

Em defesa do reforço da sua direcção, Francisco Rodrigues dos Santos divulgou as 14 personalidades do novo conselho consultivo (onde se incluem elementos próximos do ex-líder Manuel Monteiro) e prometeu renovar a sua equipa.

 Como argumentos a favor da manutenção da sua direcção, o líder do partido apontou a preparação das eleições autárquicas – considerando que o desafio do congresso causa “efeito devastador” neste processo – mas acabou por admitir antecipar o calendário do congresso para logo após as eleições do Outono. E, quando uma das perguntas que são colocadas pelos defensores do congresso é sobre o balanço do primeiro ano de mandato, o líder do CDS fez cedências: “Assumo com humildade que cometi erros e que nem tudo correu da maneira como gostaria”. Mas não detalhou essas falhas. 

Momentos depois, Adolfo Mesquita Nunes faz a sua intervenção de defesa do congresso antecipado. “Precisamos de mudar a imagem de declínio. Precisamos de uma liderança credível e que olhe para o país. Se queremos vencer os partidos emergentes temos de comunicar melhor do que eles”, disse, apontando ainda a queda do Governo após as autárquicas como um cenário a ter em conta.

Recusando uma crise “artificial”, Adolfo Mesquita Nunes reafirmou que está em causa a sobrevivência do partido e apontou as várias demissões que ocorreram no seio da actual direcção. 

O candidato à liderança do partido, caso seja convocada a reunião magna extraordinária, prometeu trazer “gente nova”, uma “nova equipa e capacidade de chegar às pessoas”. E aproveitou para tentar desfazer as dúvidas sobre a realização de um congresso digital: “Vivemos tempos extraordinários”.

As intervenções prosseguiram entre os que saíram em defesa da direcção e os que desejam congresso antecipado.

Um dos vice-presidentes, Miguel Barbosa, acusou Mesquita Nunes de andar a “brincar aos partidos” e de não ter “coragem” para apresentar uma moção de censura porque teria de ser aprovada por dois terços do conselho nacional.

João Almeida, que disputou o último congresso e perdeu, reiterou que não acredita na actual liderança: “Desde o primeiro momento que acho que vai correr mal. Tenho o direito de discordar. Nas seitas somos obrigados a acreditar. Nos partidos democráticos podemos ter opinião”. O deputado, que foi porta-voz na anterior liderança, desmentiu Francisco Rodrigues dos Santos quando disse que tentou unir o partido: “Nunca fui chamado”.

Tanto Nuno Melo como João Almeida defenderam a realização de um congresso antecipado como forma de pacificar o partido internamente e de colmatar as demissões na própria direcção, entre as quais a de um vice-presidente. “Este clima de guerra interna não cessará amanhã”, avisou o eurodeputado.

Assumindo que não é “apoiante de um candidato” embora seja “amigo” de Mesquita Nunes, Telmo Correia lembrou as palavras de Francisco Rodrigues dos Santos no congresso de há um ano quando prometeu fazer do CDS uma “direita sexy”. O líder parlamentar saiu em defesa do trabalho da bancada mas contrapôs: “Às vezes somos vistos como a direita boring.

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