Aflitos e mal-agradecidos

Haver quem lá fora perceba o que se está a passar e se mostre empenhado em ajudar merece do país homenagem e reconhecimento. Não merece que as autoridades escondam a face como um nobre arruinado numa loja de penhores.

O primeiro-ministro anunciou ao país a disponibilidade da Alemanha para ajudar Portugal a enfrentar a terrível crise sanitária da covid-19 na última quarta-feira. Já lá vão, pois, cinco dias. Este fim-de-semana foi a vez de o chanceler austríaco abrir as portas dos seus hospitais aos doentes portugueses. Era de esperar entretanto por parte do Governo qualquer gesto ou palavra que exprimisse reconhecimento e gratidão do país. Estranhamente, o que se ouviu foi um silêncio sintomático. O que se leu foi um comunicado lacónico. Não duvidamos que António Costa, ou o ministro da Defesa ou o Presidente da República tenham feito chegar aos seus pares um agradecimento. Mas esse agradecimento devia ter sido público e vivo, para desta forma envolver e significar a voz de todos os portugueses.

Este comedimento na reacção à oferta de médicos, de camas ou de equipamentos pode ter muitas causas. Pode querer evitar que o alarme social face à dimensão da pandemia alastre. Ou pode pretender travar a ideia de que Portugal, como na troika, não consegue gerir o problema apenas com os seus próprios meios. O silêncio envergonhado com que se recebeu a promessa de ajuda estrangeira pode servir todas essas causas. Mas tem um preço elevado: legitima também a suspeita da hipocrisia e da ingratidão ao serviço de uma estratégia política. Quem se apressa a dar uma mão ao país numa situação difícil não merece esse silêncio e ainda menos o comunicado burocrático dos ministérios da Saúde e da Defesa desta segunda-feira.

Aceitar e elogiar a ajuda externa seria uma forma de encarar a realidade. Se as imagens das ambulâncias em espera nos hospitais ou o número de mortos que justificaram a atitude da Áustria ou da Alemanha nos indignam ou envergonham, é caso para dirimir entre nós e, principalmente, com quem recebeu a missão de nos governar. O problema existe. A ajuda faz falta. Que venha, em nome dos doentes, dos médicos, de todos portugueses. Haver quem lá fora perceba o que se está a passar e se mostre empenhado em ajudar merece do país homenagem e reconhecimento. Não merece que as autoridades escondam a face como um nobre arruinado numa loja de penhores. 

​A Itália já esteve numa situação assim ou muito próxima, a Espanha também, o Reino Unido também e até a próspera Holanda enviou doentes covid para a Alemanha. Uma das muitas coisas boas de integrar a família europeia é ter a certeza de que em momentos como este estamos mais protegidos pela sua solidariedade. Há, por isso, que a acolher e manifestar-lhe em público toda a gratidão possível. 

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