Covid-19: para salvar Manaus é preciso transferir 1500 pacientes dos hospitais

O ministro da Saúde brasileiro prevê cem mortes diárias se a pressão sobre os hospitais da capital do Amazonas se mantiver. O Presidente Bolsonaro não está preocupado com a investigação ao seu ministro.

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Tem morrido cerca de uma centena de pessoas por dia em Manaus por causa da covid-19 RAPHAEL ALVES / EPA

A propagação da covid-19 em Manaus, cada vez mais o epicentro da pandemia no Brasil, continua fora de controlo e o sistema hospitalar está longe de conseguir gerir a pressão extrema. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, visitou a cidade durante uma semana e avisou que é urgente transferir pelo menos 1500 pacientes dos hospitais locais para outros estados.

Pazuello, que tem estado no centro das críticas pelo desastre sanitário em Manaus, fez uma intervenção dramática e previu que continuem a morrer “de 80 a cem pessoas por dia” se não forem transferidos 1500 doentes. “Não há UTI [Unidades de Tratamento Intensivo] e não se cria uma UTI de uma hora para a outra”, afirmou o ministro. “O que vai resolver neste momento o atendimento especializado é a remoção” de pacientes a necessitar de cuidados intensivos, acrescentou Pazuello na sexta-feira à noite.

Há três dias consecutivos que o número de pessoas mortas pela covid-19 supera a marca da uma centena no estado do Amazonas, que regista, ao todo, mais de 7700 mortes desde o início da pandemia. Mais de 300 pacientes já foram transportados para hospitais noutros estados.

O maior estado brasileiro atravessa um momento dramático desde o início do ano, depois de em Abril e Maio já ter sofrido um grande impacto da primeira vaga. Agora, o cenário é consideravelmente mais grave. O aparecimento de uma nova estirpe do vírus SARS-CoV-2, com potencial de ser até três vezes mais transmissível que o tipo mais comum, e o levantamento das medidas de isolamento físico durante o período do Natal e do Ano Novo esgotaram a capacidade de resposta do sistema hospitalar.

A nova variante foi detectada em 91% dos casos de infecção no Amazonas, revelou na sexta-feira um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o que indica a rápida capacidade de disseminação desta estirpe, que só agora começa a ser estudada aprofundadamente. O Pará, que partilha uma longa fronteira com o Amazonas, decretou este sábado o confinamento obrigatório, depois da detecção da nova variante em dois pacientes.

A situação em Manaus agravou-se nas últimas semanas com a escassez de oxigénio em todos os hospitais da cidade – um problema que ainda se mantém – responsável por dezenas de mortes. A situação tem levado famílias de pessoas internadas e com necessidade de assistência respiratória a passar horas em filas para tentar adquirir directamente as botijas de oxigénio junto das empresas fabricantes.

Há factores próprios do Amazonas que também explicam o colapso dos cuidados de saúde e a grave situação epidémica. O sistema de saúde pública no estado é dos mais frágeis do Brasil. Num território de dez milhões de habitantes e com uma área 17 vezes superior à de Portugal só existem unidades de cuidados intensivos em Manaus. Para além disso, a maioria do estado é coberta pela floresta amazónica, tornando grande parte da região muito pouco acessível, com centenas de aldeias dependentes do transporte fluvial ou aéreo. Esta época do ano também coincide com o pico de doenças respiratórias na região amazónica por causa das chuvas e da humidade elevada.

Entretanto, o governo estadual voltou a impor medidas de isolamento obrigatório, encerrando estabelecimentos comerciais e permitindo apenas a circulação de trabalhadores essenciais, que deverá durar pelo menos até 7 de Fevereiro. Na primeira semana em que as medidas estiveram em vigor, o número de contágios caiu, mas manteve-se a tendência de subida de mortes e hospitalizações, de acordo com os dados da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas.

Ministro investigado

No centro das críticas à gestão da situação de Manaus está Pazuello, que é alvo desde esta semana de uma investigação formal pelo Supremo Tribunal Federal, que quer averiguar se o ministro da Saúde não agiu atempadamente para evitar a crise. A Procuradoria-Geral da República, que pediu a abertura do inquérito, acredita que Pazuello tinha sido informado ainda em Dezembro de que as reservas de oxigénio na rede hospitalar de Manaus estavam perto do fim, mas que agiu apenas semanas mais tarde.

Em causa está também a imposição por parte do Ministério da Saúde da administração de hidroxicloroquina aos centros de saúde amazonenses para tratar pacientes com sintomas de covid-19 – numa altura em que já havia relatos de escassez de oxigénio, o ministério entregou 120 mil doses do medicamento que não tem eficácia comprovada para o tratamento da doença.

A investigação ao seu ministro não deixa preocupado o Presidente Jair Bolsonaro, criticado por ter desvalorizado a pandemia e por continuar a negar a necessidade de medidas de isolamento físico para travar a pandemia. “Pode investigar o Pazuello, não tem problema. Não há omissão, ele trabalha de domingo a domingo”, afirmou o Presidente este sábado.

A crise de Manaus está a motivar uma nova onda de contestação contra o Governo federal, considerado por cada vez mais sectores da sociedade como o principal responsável pela má gestão da pandemia não só no Amazonas, mas em todo o país. Desde que as primeiras infecções foram detectadas, em Março do ano passado, que o Brasil nunca conseguiu controlar verdadeiramente a progressão da covid-19.

Morreram mais de 222 mil pessoas por causa da pandemia, um número apenas superado pelos EUA. Um estudo comparativo do Instituto Lowy que avalia a gestão da pandemia feita por governos de 98 países coloca o Brasil na última posição (Portugal surge na 63.ª posição).

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