Sestas dos miúdos, como gostar delas?

Sabes o que é mais extraordinário de tudo isto: o poder da ocitocina, ou do amor dos pais, se preferires, porque apesar daquilo a que nos sujeitam, pegamos-lhes ao colo, damos-lhes festinhas, falamos-lhe numa voz meiga e querida, embalamo-los pela casa.

Foto
@designer.sandraf

Querida Mãe,

Eu. odeio. sestas... As deles, claro! O confinamento veio lembrar-me o quanto detesto as sestas, já que na escola não sou eu que preciso de as fazer acontecer. Qualquer mãe que tenha filhos difíceis de adormecer partilhará este ódio comigo.

Mãe, vamos fingir, por um momento, que aquelas pessoas que deitam a criança e saem do quarto para só voltarem três horas depois não existem. Vamos antes falar das mães comuns. Essas, quando o assunto é adormecer os filhos, passam por várias etapas.

Primeiro achamos que vamos fazer tudo como nos livros! Estabelecemos uma rotina elaborada; é o banho, a história, a massagem e a música. Vamos embora, ele chora, voltamos, pegamos-lhe, está a adormecer no nosso colo, mas como achamos que “deseduca”, pousamo-lo, afinal “tem que aprender a adormecer sozinho”, chora, e nós voltamos...

Quando nada disto funciona temos a certeza de que a culpa é obviamente nossa e os comentários não solicitados dos outros (avós incluídas) confirmam-no. Por isso, a contragosto, decidimos passar à fase 2: Não quero deixá-lo a chorar, mas acho que devo.

Quando não dá em nada, aceleramos para a fase 3: Vale tudo! E descobrimos uma estratégia que funciona: deitamo-nos ao lado deles e eles ficam. Começa então a tortura – porque as crianças não brincam em serviço.

Durante um segundo é maravilhoso. O quentinho de uma criança pequena, o cheiro, as festinhas que nos vai dando, é tão bom. Durante dez minutos ficamos assim. A criança vai dando voltas e a nossa cabeça acelera a planear tudo aquilo que vamos fazer mal adormeça. Vamos fazer o jantar, mandar aquele e-mail, tirar a loiça da máquina, enquanto ouvimos um podcast, e quem sabe ainda chega para um episódio de uma série. Espreitamos-lhes os olhos. Oh não, ainda abertos. Rezamos para que se fechem para que possamos dar o tiro de partida à nossa eficiência. Mas o nosso filho não está nem aí e começa a ficar irrequieto, a dar cambalhotas por cima de nós.

Lembramo-nos de uma estratégia melhor: fingir que estamos a dormir! Fechamos os olhos e não respondemos a nada, fingimos tão bem que rapidamente sentimos a cabeça sossegar – “Se calhar não vou por a loiça na máquina agora, se calhar posso encomendar o jantar, o e-mail pode ficar para a noite, quando os adormecer...”. Vamos sentido o peso do sono em falta, que cresce na proporção inversa ao dele. Mas persistimos, e finalmente acaba por adormecer. E nós ficamos ali num limbo mental, entre o “levanta-te e vai fazer as tarefas”, e uma vozinha que nos lembra o que a querida Constança Cordeiro Ferreira costuma dizer: os bebés sentem quando as mães precisam de descansar e assim obrigam-nos a dormir a sesta também. Sim! É isso! Consoladas, deixamo-nos deslizar para o sono e, zás, de repente, a porta abre-se e entram os dois mais velhos a discutir quem é que tinha o telemóvel primeiro, acordando-nos aos dois.

I rest my case.

Adeus!


Querida Ana,

Apesar das saudades dos meus queridos netos, a tua carta deu-me uma alegria enorme: que bom é ser avó e não mãe. É que, Ana, tenho um verdadeiro trauma com essas sestas. E com as noites de sonos interrompidos. É um pesadelo quando choram nos primeiros minutos depois de adormecermos, e com um esforço sobrenatural obrigamo-nos a vir lá do fundo do poço, para regressarmos a um estado de consciência, estonteados e enjoados.

Mas sabes o que é mais extraordinário de tudo isto: o poder da ocitocina, ou do amor dos pais, se preferires, porque apesar daquilo a que nos sujeitam, pegamos-lhes ao colo, damos-lhes festinhas, falamos-lhe numa voz meiga e querida, embalamo-los pela casa. Pode não ser politicamente correcto dizê-lo, e não quero chocar ninguém, mas é mesmo um milagre divino como mantemos a paciência e não maltratamos quem nos sujeita à tortura do sono, a pior das torturas, noite após noite.

Por isso sim, Ana, acredita que todos os dias quando deito a cabeça na almofada, sinto um enorme alívio por já não estar nessa fase. É bom ser avó!


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook Instagram.

Sugerir correcção
Comentar