Sinais da pandemia foram publicados no Twitter semanas antes de se falar em covid-19

Uma equipa de investigadores seguiu o rasto de publicações sobre “pneumonias desconhecidas” e “tosse seca” no Twitter. Os resultados mostram que as redes sociais podem ajudar os países a detectar os primeiros sinais de pandemias.

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Os primeiros avisos de covid-19 na Europa foram publicados no Twitter Phil Noble/Twitter

Semanas antes dos primeiros casos públicos de covid-19 na Europa noticiados no final de Janeiro de 2020 — já havia evidências do vírus a circular nas redes sociais. Só que com outros nomes. 

Uma investigação recente da Escola de Estudos Avançados em Institutos, Mercados e Tecnologias (IMT), de Lucca, na Itália, identificou vários relatos preocupantes sobre casos de pneumonia desconhecida partilhados na rede social Twitter entre o final de 2019 e o início de 2020. Os investigadores acreditam que as queixas online representam os primeiros casos de covid-19 a entrar na Europa (quando ainda se sabia muito pouco do vírus) e que provam, uma vez mais, que as redes sociais podem ser usadas para detectar sinais de novas crises de saúde pública.

As conclusões foram publicadas esta semana na revista académica Scientific Reports. 

“Apresentamos provas de níveis anormais de preocupações com casos de pneumonia em vários países europeus”, resumem os autores no estudo.

Ao todo, foram analisadas mais de 891 mil publicações no Twitter de utilizadores na Europa: em Janeiro de 2020, 13 mil publicações sobre “pneumonias desconhecidas” vieram de regiões onde semanas mais tarde foram identificados os primeiros casos de covid-19, nomeadamente a região de Lombardia, na Itália, Madrid, em Espanha, e Île-de-France, em França. 

“Estas descobertas apontam para a urgência de criar um sistema de vigilância digital integrado para que as redes sociais possam ajudar a localizar cadeias de contágio”, alerta a equipa. “Falhas em identificar os primeiros sinais [de covid-19] deixaram muitos governos nacionais cegos quanto à escala da emergência de saúde pública que estava para chegar [em 2020]”.

Seguir rastos de “tosse”​ e “pneumonias de causa incerta” 

Para chegar a estes resultados, os autores começaram por criar uma base de dados com todas as mensagens publicadas no Twitter com a palavra-chave “pneumonia” nas sete línguas mais faladas da União Europeia (inglês, alemão, francês, italiano, espanhol, polaco e holandês) entre Dezembro de 2014 até 1 de Março de 2020.

Os investigadores explicam que escolheram “seguir” a palavra “pneumonia” porque a 31 de Dezembro de 2019 a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi informada sobre os primeiros casos de uma “pneumonia de causa incerta”“Isto levou-nos a depender da pneumonia para detectar os primeiros sinais de uma pandemia”, detalha a equipa de Lucca.

Além disso, acrescentam, a época da gripe no final de 2019 foi menos intensa do que em anos anteriores, motivo pelo qual um número excessivo de queixas de gripe e pneumonia gripal não seria normal.

O processo foi repetido com outras expressões actualmente associadas à covid-19 como “tosse seca”. Todos os tweets com referências a uma “nova epidemia” foram retirados da base de dados utilizada. 

Como é hábito em vários estudos focados em redes sociais, o Twitter foi a plataforma escolhida pela facilidade em obter dados públicos sobre debates a acontecer num dado momento. “Optámos pelo Twitter devido à ampla utilização da plataforma nos países europeus e também porque os dados podiam ser obtidos sem violar a privacidade”, esclareceu ao PÚBLICO Pietro Panzarasa, um dos investigadores envolvidos no estudo.

Redes sociais a vigiar epidemias?

A análise dos autores mostrou um aumento de tweets com a palavra “pneumonia” na maioria dos países europeus incluídos no estudo a partir de Janeiro de 2020. Em Itália, por exemplo, semanas antes dos primeiros casos oficiais de covid-19 (detectados em Fevereiro) já havia muitas mais menções de “pneumonia” do que no mesmo período em 2019. O mesmo aconteceu com “tosse seca”.

“Ou seja, foram identificados focos de infecção potencialmente escondidos várias semanas antes do anúncio da primeira fonte local de uma infecção covid-19”, esclarecem os investigadores. “França exibiu um padrão semelhante, enquanto [tweets sobre a covid-19] de Espanha, Polónia, e do Reino Unido surgiram com um atraso de duas semanas.”

Os calendários distintos reflectem diferenças nacionais na percepção da doença e diferenças nos padrões de transmissão, explica a equipa de Lucca. 

Ainda assim, os investigadores acreditam que os resultados são prova que as redes sociais podem ser uma ferramenta para as autoridades de saúde públicas travarem surtos. “O nosso estudo [é mais uma] prova de que as redes sociais podem ser uma fonte útil na vigilância epidemiológica”, reforçou em comunicado Massimo Riccaboni, professor de Economia da Escola de Estudos Avançados em IMT que coordenou o estudo. “Isto pode ajudar a interceptar os primeiros sinais de uma nova doença antes que prolifere escondida, e também rastrear a sua proliferação.”

Estudos dizem que as pesquisas no Google permitem fazer a antecipação dos surtos gripais, por exemplo. Os investigadores vêem tais ferramentas a fazer parte de um sistema de rastreio epidemiológico global das redes sociais, gerido por organizações internacionais de saúde.

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