A oportunidade perdida das presidenciais

Os políticos perderam, uma vez mais, a oportunidade de envolver os cidadãos portugueses no debate sobre o futuro do país e ouvir a sua opinião sobre uma questão vital para o nosso desenvolvimento coletivo e que se pode traduzir na seguinte pergunta: onde queremos que Portugal esteja posicionado no horizonte de uma geração?

Terminada a fase dos debates entre os candidatos às presidenciais, entrou-se na recta final da campanha em pleno confinamento e, por isso, num período de fortíssimo condicionamento.

A sensação que fica é que a campanha serviu até agora para muito pouco, alem da discussão mais ou menos estéril em torno de polémicas destinadas a alimentar a agenda mediática.

A realidade é que os debates entre os candidatos, ao invés de servirem para uma discussão substantiva de ideias e propostas, foram, acima de tudo, um terreno fértil para troca de acusações e insultos, consumindo um precioso tempo de esclarecimento com “casos” e “fait-divers”, que nada acrescentaram ao debate qualificado e qualificante, que se esperaria da eleição para o mais alto magistrado da nação.

Um debate que ignorou em absoluto uma circunstância da maior relevância e que tem passado completamente ao lado desta campanha. O facto de, durante o próximo mandato presidencial (2021-2026), o regime inaugurado a 25 de Abril de 1974 cumprir 50 anos de existência.

Mais do que uma mera efeméride, trata-se de um marco histórico e um acontecimento emblemático. Desde logo, porque o regime democrático superará em longevidade o Estado Novo (1926-1974), transformando-se no período de vigência constitucional mais longo desde o fim da monarquia.

O meio século do nosso regime politico-constitucional, que alguns historiadores cunham de III República, e que tem como vértice institucional o Presidente da República, eleito por sufrágio direto e universal, teria sido um excelente mote para a campanha presidencial. 

Estas eleições teriam constituído, assim, uma excelente oportunidade para colocar os candidatos em diálogo com os portugueses, fora dos constrangimentos da luta político-partidária, lançando um verdadeiro debate nacional, abrangente e inclusivo, que tivesse como objetivos: por um lado, fazer o balanço do nosso regime demo-liberal, avaliando os seus sucessos e fracassos; e, por outro lado, e a partir dessa avaliação, perspectivar o futuro, contribuindo para a construção de um amplo consenso cívico em torno dos desígnios estratégicos que Portugal deve prosseguir nas próximas décadas.

Apesar dos inestimáveis avanços civilizacionais que o regime democrático nos trouxe, não podemos ignorar que Portugal continua a sofrer de fortes e persistentes debilidades estruturais, não obstante os abundantes fundos recebidos da União Europeia, desde a segunda metade da década de 80, e cujo principal objetivo era contribuir para mudar o perfil estrutural da economia portuguesa, fazendo a transição de um modelo económico baseado na mão-de-obra intensiva e nos baixos salários, para um paradigma de desenvolvimento assente no conhecimento intensivo, nos recursos humanos altamente qualificados e justamente remunerados e numa economia competitiva de alto valor acrescentado.

A encruzilhada estratégica em que nos encontramos e que a crise pandémica veio evidenciar e agravar só pode, por isso, ser encarada como uma oportunidade para empreender uma redefinição das nossas prioridades estratégicas, particularmente no quadro do Plano de Recuperação e Resiliência, a chamada “bazuca europeia”, que permitirá a Portugal receber nos próximos anos mais algumas dezenas de milhares de milhões de euros em apoios comunitários.

É nesse quadro que teria feito sentido que a campanha presidencial se tivesse centrado nos urgentes desafios sistémicos que se colocam ao país e na agenda reformista de que precisamos para consolidar a nossa democracia no Séc. XXI – designadamente, em domínios como a economia, a educação, o sistema político, a administração do Estado e a justiça, todos eles praticamente ausentes do debate destas presidenciais.

Desta feita, os políticos perderam, uma vez mais, a oportunidade de envolver os cidadãos portugueses no debate sobre o futuro do país e ouvir a sua opinião sobre uma questão vital para o nosso desenvolvimento coletivo e que se pode traduzir na seguinte pergunta: onde queremos que Portugal esteja posicionado no horizonte de uma geração?

O Presidente da República não governa, mas lidera e deve ser o grande motivador e mobilizador das forças produtivas e criativas do país e o principal embaixador desses activos no mundo.

E as eleições presidenciais deveriam servir para que os portugueses pudessem escolher aquele ou aquela que demonstrasse ser mais capaz de cumprir essa missão, especialmente num mandato histórico em que se completam 50 anos da fundação do nosso regime democrático.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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