Ministra da Justiça mudou em menos de 24 horas nome indicado para procurador europeu

José Guerra afinal foi a segunda opção de Francisca Van Dunem. A primeira era de João Conde Correia, que ficou em segundo lugar no concurso do Conselho Superior do Ministério Público.

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Ministra recusa dar mais esclarecimentos sobre o caso LUSA/ANTÓNIO COTRIM

A 25 de Novembro de 2019, o chefe de gabinete da ministra da Justiça enviou um email à Direcção-Geral da Política de Justiça (DGPJ) a indicar o nome do procurador João Conde Correia, o segundo classificado no concurso do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), como a primeira escolha da Governo português para o cargo de procurador europeu. No entanto, no dia seguinte, numa reunião em que a ministra deu instruções a responsáveis da DGPJ sobre o assunto, a escolha foi alterada, passando José Guerra a ser o nome proposto pelo Governo para o cargo.

O PÚBLICO confrontou esta quinta-feira o Ministério da Justiça, liderado por Francisca Van Dunem, com este facto, que resulta em parte de um artigo de opinião publicado esta quinta-feira na edição impressa do nosso jornal pelo ex-director-geral da Política de Justiça, Miguel Romão, que se demitiu na sequência da polémica sobre os erros numa informação a fundamentar a escolha de José Guerra. “O que motivou uma mudança num espaço tão curto de tempo? Como explica a ministra a opção por um nome que não tinha sido o escolhido pelo CSMP, nem o destacado pelo Parlamento?”, questionou o PÚBLICO.

O ministério, contudo, recusou-se a responder as dúvidas. “A ministra da Justiça já esclareceu junto do Parlamento português o que lhe foi solicitado relativamente ao processo de selecção do representante nacional ao cargo de Procurador Europeu e não vai comentar as sucessivas declarações e publicações do ex-director geral da Direcção Geral da Política de Justiça”, afirmou o gabinete da governante.

Não é claro o que terá obrigado a ministra a alterar a sua posição, mas tal poderá estar relacionado com a necessidade de fundamentar bem uma decisão que contrariava um painel internacional que seleccionara em primeiro lugar uma candidata que a ministra considerava, dos três nomes que indicara ao Conselho da União Europeia, a que tinha menos perfil para o cargo. O problema é que insistir no nome de Conde Correia podia ser difícil de explicar aos parceiros europeus, já que este não tinha vencido o concurso do CSMP, nem tinha sido destacado pelo Parlamento que sublinhara a experiência internacional de José Guerra e Ana Carla Almeida. O primeiro estava há mais de 12 anos na Eurojust, o organismo de cooperação judiciária da União e a segunda com uma passagem de perto de três anos pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude, especializado precisamente na investigação de fraudes com fundos europeus, a área central da nova Procuradoria Europeia.

Aliás a disputa no concurso do Conselho Superior do Ministério Público entre José Guerra e João Conde Correia foi renhida, com o primeiro a obter 95 pontos e o segundo 92. Mas a proximidade entre os dois ficou a dever-se essencialmente a uma posição controversa adoptada pela maioria do plenário do conselho que levou três dos 16 conselheiros a votarem contra este aspecto específico. Em causa estava a forma como se avaliava o primeiro dos 14 critérios de selecção: ter experiência mínima de 20 anos como juiz ou magistrado do Ministério Público. O júri decidira atribuir quatro pontos a quem tivesse entre 20 a 25 anos de experiência, sete pontos a quem tivesse entre 26 e 30 anos e dez pontos a quem tivesse mais de 30 anos. Neste critério, dos cinco candidatos a concurso João Conde Correia era o único que tinha apenas quatro pontos. José Guerra e um outro procurador José Fonseca obtiveram 10 pontos e Ana Carla Almeida e Helena Leitão sete.

A classificação de Conde Correia acabaria por ser alterada, tendo este conseguido mais três pontos, após o plenário ter decidido contabilizar de uma forma diferente a experiência dos magistrados. Além dos anos que os procuradores exerceram nessa função, o plenário decidiu também incluir nesta contabilidade o período em que os candidatos estiveram no Centro de Estudos Judiciários e no estágio. O objectivo seria não prejudicar quem tinha tido cursos mais longos e com estágios mais compridos, o que aconteceu, por diversas vezes, desde o 25 de Abril para colmatar a falta de recursos humanos no Ministério Público.

No júri de cinco elementos do CSMP que avaliaram e entrevistaram os cinco candidatos Conde Correia tinha dois apoios fortes, a procuradora-geral distrital do Porto, Raquel Desterro, de quem chegou a ser assessor na área da cooperação judiciária internacional e na área da recuperação de activos, duas áreas onde possui várias publicações, e a professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Maria João Antunes, (indicada pela ministra para o conselho) que tinha sido a arguente da sua tese de doutoramento. ​

Apesar de José Guerra e Conde Correia terem currículos muito diferentes, destacando-se no primeiro uma experiência internacional de mais de 12 anos na Eurojust e no segundo um relevante trabalho académico e de ensino, as classificações foram muito semelhantes. Além da experiência de mais de 30 anos de Guerra, que foi um factor determinante, este obteve mais um ponto que o colega em quatro itens. Conde Correia, por seu lado, consegui mais quatro pontos que o colega em dois itens: trabalhos científicos publicados e ensino jurídico. 

Curioso é que apesar de o PSD ter feito fortes críticas à nomeação de José Guerra, com a deputada Mónica Quintela a considerar o magistrado “um comissário político do PS”, este foi nomeado, pela primeira vez, como adjunto do membro nacional da Eurojust em 2012 no Governo de Passos Coelho pela ministra Paula Teixeira da Cruz. E a comissão de serviço foi renovada pela mesma governante em 2014. 

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