Administração da RTP surpreendida com chumbo do Conselho de Opinião a José Alberto Lemos

Gonçalo Reis diz que a decisão é “incompreensível”. Jornalista fundador do PÚBLICO fora proposto em Novembro para o cargo de Provedor do Espectador da estação pública.

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José Alberto Lemos no PÚBLICO em 2002 MANUEL ROBERTO

Em Novembro, o Conselho de Administração da RTP propôs o nome de José Alberto Lemos, um dos fundadores do PÚBLICO, para o cargo de Provedor do Espectador. Num parecer datado desta segunda-feira, o Conselho de Opinião, que ouviu o jornalista numa audição de três horas, anunciou o seu chumbo a esta nomeação, após uma votação em que participaram apenas 23 dos 32 membros daquele órgão da estação pública. Do currículo de José Alberto Lemos, além da passagem pelo PÚBLICO, onde ocupou diversos cargos de chefia, constam ainda as funções de director da RTPN, director de redacção da SIC no Porto, comentador da RTP e correspondente da Rádio Renascença nos Estados Unidos. Enquanto Provedor do Espectador, propusera-se apresentar o programa semanal Voz do Cidadão a partir do Centro de Produção do Norte da RTP, o que nunca acontecera até aqui. 

Numa nota enviada às redacções, Gonçalo Reis, presidente do Conselho de Administração até Março próximo, explica que “foi com enorme surpresa” que a sua equipa “recebeu o parecer desfavorável do Conselho de Opinião ao nome indigitado para Provedor de Televisão”. E vai mais longe: “Achamos incompreensível.” Para o actual patrão da estação pública de televisão, “José Alberto Lemos cumpre largamente todos os critérios definidos no Estatuto da RTP para ser provedor: mérito profissional, credibilidade e integridade pessoal e experiência na área de comunicação nos últimos cinco anos. É um excelente jornalista, com experiência relevante em televisão, rádio e imprensa, em Portugal e no estrangeiro, na RTP e em outras instituições de referência. Perante o chumbo agora anunciado, deixa claro que o nome de José Alberto Lemos continuará em cima da mesa: “Não nos conformamos com esta posição do Conselho de Opinião, estamos a analisar com cuidado o parecer, para definir próximos passos.” Ao PÚBLICO, Gonçalo Reis acrescenta ainda: “O que nos interessa é dotar a RTP de pessoas de qualidade, nas várias áreas e nas várias posições e o José Alberto Lemos é um homem com qualidades.”

Manuel Coelho da Silva, o actual presidente do Conselho de Opinião, declinou, na segunda-feira, comentar o assunto. Mas o próprio José Alberto Lemos refuta a fundamentação do chumbo, a que o PÚBLICO teve acesso. Neste fala-se da “clara incidência da prestação do candidato mais para as matérias ligadas à informação do que aos restantes géneros da programação dos diversos serviços de programas de televisão”. “Incidi mais nas questões de informação porque sou jornalista e porque são mais objectos de queixa ao provedor”, comenta Lemos.

O Conselho de Opinião argumenta também que a ligação de José Alberto Lemos à RTP não ocupou mais de “nove anos” dos cerca de 40 que já leva a sua carreira, e que ela terminou “antes das últimas transformações legislativas e organizacionais de 2011 e 2014”. “O provedor não tem nada a ver com as questões legislativas e organizacionais da RTP, não tem de se pronunciar sobre elas”, responde o jornalista, ressalvando que desde que em 2006 se criou a posição de Provedor do Telespectador “já houve dois que não eram da RTP”.

Outro dos argumentos para o chumbo é “a falta de esclarecimentos e posições claras” quanto à posição do candidato “sobre algumas das questões mais fracturantes e polémicas do papel da RTP, S.A., na sociedade portuguesa actual”. José Alberto Lemos questiona-se o que serão “estas questões polémicas”. “Ninguém me colocou uma questão sobre isso”, afirma, apontando como único exemplo de uma possível questão controversa a pergunta sobre se a RTP deve ou não transmitir touradas, a que terá respondido que não.

No parecer, o jornalista é ainda acusado de manifestar “uma menor preocupação e insuficiente sentido crítico quanto à qualidade da programação que é actualmente apresentada aos telespectadores” e que “em momento algum do debate” se “expressou no sentido de considerar muito relevante o Código de Ética e conduta”. Lemos diz que fez questão de frisar as diferenças entre o serviço público da RTP e os canais privados e que, “ao sublinhar essas diferenças”, acabou por “dizer bem da grelha da RTP”. Mas “claro que não há uma RTP de excelência, há muita coisa a corrigir”. O documento do Conselho de Opinião menciona ainda a “falta de uma reflexão e agenda própria explícita do candidato para os Centros Regionais dos Açores e da Madeira”, uma questão que, segundo Lemos, não foi colocada na audição. O jornalista ressalva ainda que, durante o seu mandato na RTPN, começou um jornal diário das regiões autónomas, Notícias do Atlântico.

O Conselho de Opinião sustenta ainda que o candidato ao cargo não terá “trazido ao debate qualquer ideia ou proposta significativa para dignificar, valorizar e dar visibilidade pública à figura e ao programa do provedor”. Ao que Lemos questiona se estes não estão “dignificados ou valorizados e com visibilidade pública graças ao programa que vai para o ar todas as semanas”. O parecer menciona ainda “duas fragilidades da intervenção do candidato”, o “desconforto”, por exemplo, no tratamento de tópicos como “as questões de género”, a “independência” e os “públicos jovens”, e a “acomodação”, ao não ter “realçado a importância da análise crítica” e de “se cultivar e implantar uma cultura de autocrítica” na RTP. “Ninguém me pôs uma situação concreta”, defende-se o jornalista, que partilhou com o PÚBLICO a sua declaração inicial na audição, em que defendeu que o provedor deve fomentar “uma cultura de autocrítica enquanto representante e defensor das perspectivas dos espectadores”.

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