Supremo Tribunal indiano suspende controversa reforma agrária de Modi

Milhares de agricultores estão acampado desde Novembro nos arredores de Nova Deli, em protesto contra a abertura do sector ao mercado livre e aos privados. Justiça vai criar comissão independente para ouvir os sindicatos.

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Agricultores celebram decisão do Supremo, em Nova Deli EPA
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Milhares de manifestantes estão acampados há quase dois meses nos arredores da capital HARISH TYAGI/EPA
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Há registo de várias mortes no acampamento, por causa das condições precárias e das temperaturas baixas HARISH TYAGI/EPA

O Supremo Tribunal da Índia suspendeu esta terça-feira a aplicação da polémica reforma agrária do Governo do Narendra Modi, que acaba com o sistema de apoios estatais à venda de produtos agrícolas e que abre o sector aos privados, e vai tentar mediar um acordo entre o poder político e os representantes sindicais. 

A decisão surge na sequência das maiores manifestações em várias décadas na Índia e numa altura em que milhares de agricultores estão acampados há quase dois meses nos arredores de Nova Deli em protesto contra a nova legislação.

O juiz Sharad Arvind Bobde anunciou a decisão de “suspender as três leis agrárias até novas ordens” e revelou que o tribunal vai criar uma comissão independente para ouvir os agricultores, elaborar um relatório pormenorizado sobre as suas principais queixas e tentar fechar um compromisso entre os sindicatos e o executivo indiano.

Citado pela BBC, o magistrado mostrou-se preocupado com as condições precárias em que estão a viver os manifestantes nas imediações da capital, garantiu que a Justiça irá “proteger os agricultores” e assumiu que a gestão do Governo de todo este processo tem sido “extremamente decepcionante”.

“Somos todos responsáveis se algo correr mal. Não queremos o sangue de ninguém nas nossas mãos”, alertou Bobde.

Segundo a televisão britânica, já morreram vários manifestantes no local do protesto, a maioria devido ao agravamento de doenças contraídas no acampamento, montado no final de Novembro, e muitas delas resultantes das baixas temperaturas do Inverno em Nova Deli. Entre os mortos, contam-se ainda quatro suicídios. 

“Sistema arcaico”

Aprovadas em Setembro do ano passado pelo Parlamento indiano, as três novas leis, propostas pelo executivo do primeiro-ministro Modi, são um verdadeiro rombo no velhinho sistema agrário indiano, assente na definição de preços por colheita e na participação estatal no processo de compra e venda dos produtos.

Há várias décadas que a grande maioria dos agricultores indianos vende aquilo que produz em mercados grossistas (mandis) geridos pelo respectivo governo estadual, a preços fixos e a troco de subsídios, isenção impostos e perdões de dívida. Os seus produtos são depois revendidos pelo Estado às grandes empresas de retalho.

Ainda assim, o facto de o rendimento da grande maioria dos camponeses indianos ser muito reduzido, em diferentes estados e regiões do país, não tem permitido contrariar os níveis elevados de pobreza das famílias que dependem das colheitas e da produção agrícola para subsistir.

Nos termos da reforma agrária de Modi, os agricultores passam a poder vender a sua produção directamente aos grandes supermercados e às empresas privadas a preço de mercado.

O Governo diz que é um passo necessário para modernizar aquilo que considera ser um “sistema arcaico”, com elevados níveis de desperdício e com falhas graves na cadeia de distribuição, e tem sublinhado que, apesar de mais de metade dos indianos serem agricultores, o sector corresponde apenas a um sexto do Produto Interno Bruto da Índia.

Milhões na pobreza

Os principais sindicatos do país argumentam, no entanto, que o fim do “sistema mandi” vai deixar milhões de pessoas, já em situação de pobreza extrema, reféns dos humores do mercado livre e do poder financeiro das grandes empresas, sem poderem contar com os rendimentos mínimos que lhes eram garantidos até hoje.

Para além disso, escreve o Hindustian Times, os críticos da reforma dizem que a mesma foi feita à pressa e que necessita de mais detalhe, até porque põe em causa a natureza federalista do Estado indiano. Também não ajudou, referem, o facto de ter sido aprovada durante a pandemia, sem uma consulta mais alargada.

Praticamente desde Setembro que os sindicatos e o Governo recusam abrir mão das suas posições de princípio neste debate. Os primeiros querem a revogação de toda a legislação, ao passo que os segundos rejeitam revê-la ou alterá-la. 

Prova do posicionamento irredutível das partes são os oito encontros que já tiveram lugar e nos quais não foi possível chegarem sequer perto de um acordo – sexta-feira há nova reunião.

Apesar de bem-vinda, a decisão judicial desta terça-feira não é vista pelos sindicatos como um triunfo dos camponeses, pelo que os protestos devem continuar durante os próximos tempos, caso o Governo não mude de posição.

“Não considero que a decisão do Supremo Tribunal seja uma vitória. É, pelo menos, um primeiro passo”, disse à Al Jazeera Paramjeet Singh, do sindicato Bharatiya Kisan.

“A nossa reivindicação é simples: revoguem as leis”, afirmou à mesma cadeia televisiva Mahavir Singh, do sindicato All India Kisan Sabha. “A menos que as leis sejam anuladas, os nossos protestos vão continuar”.

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