Carta do Conselho no caso do procurador europeu com um erro e alguns argumentos do Governo português

Ministério da Justiça enfatiza que carta não reproduz os dois erros assumidos pelo Governo e argumenta que “se documento prova alguma coisa é que os referidos lapsos não foram relevantes no processo de nomeação” de José Guerra.

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LUSA/ANTÓNIO COTRIM

Uma carta do Conselho da União Europeia, datada de 7 de Outubro do ano passado, a justificar a decisão daquele órgão em nomear, uns meses antes, José Guerra para procurador europeu reproduz um dos três erros contidos na informação do Governo português, enviada quase um ano antes, para a Representação Permanente de Portugal na União Europeia (Reper) a insistir no nome daquele magistrado para o cargo.

Apesar de não reproduzir os outros dois erros contidos no documento que a Direcção-Geral da Política de Justiça (DGPJ) encaminhou em Novembro de 2019 para Bruxelas, e que tinha como destino o Conselho, apresenta alguns dos argumentos apresentados nessa informação.

A carta do Conselho, a que o PÚBLICO teve acesso, é assinada por M. Clauss, chefe da Representação Permanente da Alemanha na UE, país que nessa altura assumia a presidência rotativa da União. O teor do documento, que tem algumas partes rasuradas, permite presumir que é dirigido a um candidato derrotado que pede justificações ao Conselho sobre os fundamentos da sua nomeação. Tudo indica tratar-se da procuradora Ana Carla Almeida, que foi a escolhida pelo júri europeu, mas que acabou por ser preterida após o Governo português ter insistido no nome de José Guerra, o primeiro classificado num concurso interno conduzido pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) e no qual a colega ficou em terceiro lugar.

A missiva diz que o Conselho da UE levou em consideração os mais de 30 anos de carreira do procurador, nomeadamente a passagem deste entre 1991 e 1998 por uma secção especializada na investigação de crimes económico-financeiros. E “enquanto tal, lidar com frequência com crimes que afectam os interesses financeiros da União”. Curioso é que esta referência surge com as mesmas exactas palavras na informação que a DGPJ enviou para Bruxelas quase um ano antes, mas não no currículo de 17 páginas que José Guerra entregou no CSMP. Neste documento, o procurador detalha em quase uma página os diversos tipos de crimes que investigou como magistrado da 9.ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, incluindo “fraude na obtenção de subsídio”, mas não há qualquer referência a fundos da União Europeia.

De seguida a carta refere o facto de entre 2002 e 2006 José Guerra ter sido director da 9.ª Secção do DIAP de Lisboa. Nem num caso nem no outro se refere o nome do departamento, dizendo-se que o procurador “liderou uma das secções do maior departamento nacional a lidar com criminalidade económico-financeira”. Na informação do Governo, de Novembro de 2019, fala-se expressamente no DIAP de Lisboa mas classifica-se o mesmo como “o maior departamento nacional em crime económico-financeiro”. O erro aqui reside no facto de o DIAP de Lisboa ser um departamento de âmbito regional e não nacional, como dizem os dois documentos.

A ministra tem insistido que esta referência não configura um erro porque, na altura, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) estava a acabar de nascer e a 9.ª Secção do DIAP de Lisboa tinha muito mais inquéritos na área do crime económico. É verdade, que, em 2002, segundo um relatório de actividades do DCIAP, este tinha apenas seis procuradores que receberam nesse ano só 56 processos, o dobro do ano anterior. Os números contrastam com o movimento das 11 secções do DIAP de Lisboa, onde em 2002 deram entrada quase 90 mil inquéritos que iam parar às mãos dos cerca de 70 procuradores que então lá trabalhavam. Mas tal não retira o âmbito regional do DIAP de Lisboa.

Não é tratado como procurador-geral adjunto

Contrariamente ao que aconteceu na informação enviada pelo Governo, na carta do Conselho de Outubro passado José Guerra nunca é tratado como procurador-geral adjunto (deputy prosecuter general, na versão em inglês) a categoria de topo do Ministério Público que não possui. Também não se diz que José Guerra investigou o caso UGT, como erradamente se dizia no documento de Novembro de 2019, havendo apenas uma referência ao seu envolvimento no julgamento do caso. Não deixa, no entanto, de ser curioso que a referência ao caso seja feita em termos muito semelhantes: “o mais complexo caso criminal” envolvendo o uso do Fundo Social Europeu ou, na versão do Conselho, o mau uso de fundos do orçamento da União. No seu currículo, José Guerra faz referência a esta experiência, mas apenas como sendo um caso de fraude na obtenção e de desvio de subsídios do Fundo Social Europeu, sem qualquer qualificação.

Numa nota emitida perto das 20h desta segunda-feira, o Ministério da Justiça veio insistir que a carta - divulgada em primeira mão pela RTP - não cita a nota enviada por Portugal à qual são atribuídos “alguns lapsos, já assumidos e corrigidos”. E continua: “É referido que o magistrado em questão liderou uma secção do maior departamento do Ministério Público em matéria de criminalidade económica e financeira – o que, como já foi esclarecido, era rigorosamente verdade à data dos factos”.

O ministério liderado por Francisca Van Dunem insiste que “se este documento prova alguma coisa é que os referidos lapsos não foram relevantes – aliás, não foram sequer considerados pelo Conselho da UE – no processo de nomeação do magistrado José Guerra para a Procuradoria Europeia”.

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