Director-geral da Política de Justiça demite-se por causa de nota errada sobre procurador europeu

Miguel Romão tinha sido nomeado há menos de um mês por Van Dunem para o cargo que ocupava desde Dezembro de 2018 em regime de substituição. Comissão de serviço de cinco anos durou pouco mais de três semanas. Sublinha que “conteúdo integral” do documento era do conhecimento do gabinete da ministra.

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Ministra diz-se disponível para ir ao Parlamento prestar esclarecimentos LUSA/MIGUEL A. LOPES

O director-geral da Política de Justiça, Miguel Romão, demitiu-se esta segunda-feira, na sequência da polémica sobre o processo de selecção do procurador europeu, informou o Ministério da Justiça numa nota que dá conta de que o dirigente, que se reuniu com a ministra, colocou o seu lugar à disposição, “decisão aceite por Francisca Van Dunem, tendo em conta os últimos acontecimentos”.

A Direcção-Geral de Política de Justiça (DGPJ) é o organismo responsável pelas relações internacionais do Ministério da Justiça e foi quem transmitiu, em Novembro de 2019, à Representação Permanente de Portugal na União Europeia (Reper) uma nota que contém vários erros sobre o currículo do procurador José Guerra. Entre os lapsos está o facto de José Guerra ser referido como “procurador-geral adjunto”, a categoria de topo da carreira dos magistrados do Ministério Público, quando está apenas no segundo nível dos três existentes (procurador da República).

Num outro comunicado, Miguel Romão assume a responsabilidade pelos erros da instituição que dirige apesar de frisar que não teve intervenção directa no caso e refutar qualquer intenção de “deturpar intencionalmente a verdade”. Sublinha, no entanto, que o “conteúdo integral” do documento remetido à Reper “era do conhecimento do Gabinete da senhora ministra da Justiça desde aquela data” e que aquela representação pedira “muita urgência no seu envio”.

“Nada, nem nas instruções da senhora Ministra da Justiça, nem no desempenho dos profissionais da DGPJ, foi feito no sentido de deturpar intencionalmente a verdade ou as qualificações de qualquer candidato, e o brio e capacidades dos profissionais da DGPJ não devem ser postos em causa ao serviço da simples exploração de um erro”, lê-se na nota daquela direcção-geral.

Em entrevista à RTP, no fim-de-semana, porém, a ministra tinha garantido que desconhecia a carta enviada pela Reper e que só tomou conhecimento dela quando foi noticiada pela RTP e SIC.

José Guerra foi nomeado em Julho do ano passado para o cargo de procurador europeu nacional na nova Procuradoria Europeia, um órgão independente da UE competente para investigar, acusar e sustentar a instrução e o julgamento contra criminosos que lesem os interesses financeiros da União (por exemplo, casos de fraude ou corrupção com prejuízos superiores a 10 milhões de euros). Guerra tomou posse em Setembro passado, apesar da polémica à volta da sua nomeação, relacionada, em parte, com o facto de não ter sido o preferido de um painel europeu de selecção, que deu um parecer no processo. 

A ministra da Justiça tem insistido que a escolha de José Guerra não foi do Governo, mas do Conselho Superior do Ministério Público, um órgão colegial presidido pela procuradora-geral da República, que desempenhou o papel de júri nacional no processo de selecção. Houve três candidatos para este lugar e o júri internacional escolheu Ana Carla Almeida, mas o Governo não aceitou esta escolha. Van Dunem alega que o Governo se limitou a seguir a escolha do Conselho Superior do Ministério Público, que colocou Ana Carla Almeida no 3.º lugar e José Guerra em 1.º. A situação ganhou novas proporções quando foi revelado um documento, emitido há mais de um ano, que transmite à Reper os argumentos que deviam ser apresentados ao Conselho Europeu para justificar por que Portugal não aceitava a escolha do júri internacional e insistia no nome de José Guerra. Vários não correspondiam à verdade. ​

No comunicado desta segunda-feira, o Ministério da Justiça dá conta de que “está também a diligenciar no sentido de corrigir a nota enviada à Reper” e garante que a ministra comunicou “formalmente a sua inteira disposição para se deslocar ao Parlamento no sentido de prestar esclarecimentos sobre este assunto, o mais rápido possível”.

Miguel Romão estava à frente do organismo responsável pelas estatísticas da Justiça, pelo planeamento do ministério e pelo acompanhamento dos processos legislativos desde Dezembro de 2018. Primeiro esteve em regime de substituição e há menos de um mês Van Dunem nomeou o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa director-geral da Política da Justiça, numa comissão de serviço por cinco anos, após um avaliação e proposta da Comissão de Recrutamento e Selecção para Administração Pública. Ao fim de pouco mais de três semanas, Miguel Romão demite-se. 

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