Estudo sugere que vacina da Pfizer funciona nas novas variantes, mas é preciso investigar mais

Portugal é o terceiro país com mais sequências dos genomas que correspondem à variante encontrada no Reino Unido disponibilizadas numa base de dados pública.

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A verde, coronavírus SARS-CoV-2 NIAID

Cientistas de todo o mundo estão a tentar perceber porque é que variantes identificadas no Reino Unido e em África do Sul parecem estar a espalhar-se tão rápido. Esta sexta-feira, foi divulgado um estudo no site bioRxiv (não tendo sido ainda revisto pelos pares) que sugere que a vacina da Pfizer-BioNTech funciona nessas duas novas variantes. Mas ainda há muito investigar, acautelam outros cientistas. Entretanto, os países continuam a perseguir as variantes e, na base de dados pública Gisaid, Portugal é mesmo o terceiro país com mais sequências dos genomas que correspondem à variante encontrada no Reino Unido, de acordo com os dados desta sexta-feira.

“Muitos de nós estão a esforçar-se para entender as novas variantes e a questão de um milhão de dólares é saber qual o significado que terão na eficácia das vacinas que estão a ser administradas”, considera o virologista Jeremy Luban, da Escola de Medicina da Universidade do Massachusetts em Worcester, que está precisamente a tentar responder a essa grande questão ao site da revista Nature.

Aos poucos, começam a aparecer algumas pistas. Uma delas foi no artigo divulgado no bioRxiv, realizado por investigadores da Universidade do Texas em Galveston e da empresa Pfizer. Nesse estudo, a equipa usou soro de 20 pessoas já vacinadas e concluiu que uma mutação encontrada nas variantes do Reino Unido e da África do Sul não altera a actividade dos anticorpos produzidos nesses indivíduos. Essa mutação chama-se N501Y e localiza-se precisamente na zona de interacção entre o receptor e a proteína da espícula, que é responsável pela entrada do SARS-CoV-2 nas células humanas.

Diana Lousa, cientista no Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB) da Universidade Nova de Lisboa, diz que são “boas notícias” o facto de o soro de participantes de um ensaio clínico imunizados com a vacina da Pfizer-BioNTech conseguir neutralizar a infecção por um vírus com essa mutação. Porém, salienta: “As novas variantes que apareceram têm mais mutações e estas não foram testadas.” Por isso, diz que é necessário continuar a testar o efeito desta e de outras mutações na capacidade de o vírus nos infectar e numa possível redução da eficácia de vacinas, bem como perceber se pessoas que já foram infectadas estão ou não imunes a estas novas variantes. “Também cá em Portugal é importante fazermos uma análise fina destas questões, não só em relação a estas, mas também a outras variantes.” Uma colaboração entre o ITQB e o Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) já o está a fazer. “Para mim, é tranquilizador ver que a evolução do vírus está a ser seguida muito de perto, o que nos permitirá adaptar terapias e estratégias se for caso disso.”

Ravi Gupta, professor de microbiologia da Universidade de Cambridge que também não participou no estudo, reforça que a mutação N501Y é só uma das oito na proteína da espícula na variante do Reino Unido e que “não se espera que tenha um impacto significativo por si só”. As amostras da variante da África do Sul podem ter até nove mutações na mesma proteína. Depois, indica que há aspectos da investigação que não foram apresentados no estudo, como o número de vezes que foram repetidas as experiências. “Este estudo deve ser ignorado até que um trabalho devidamente bem orientado esteja disponível”, criticou na plataforma Science Media Center, considerando mesmo que, da forma como está feito, não deve passar na revisão pelos pares.

Também Deborah Dunn-Walters, responsável do grupo para a covid-19 da Sociedade Britânica de Imunologia, salienta que uma das limitações do estudo é ter estudado a mutação de forma isolada. Mesmo assim, nota que é tranquilizador que alguém esteja a investigar se as variantes têm impacto na resposta imunitária causada pela vacina. “Isto necessita de um acompanhamento constante”, avisa, acrescentando que, caso se verifique alguma alteração, a tecnologia usada para fabricar a vacina permite a sua modificação.

Mais informações sobre a relação entre as vacinas e as novas variantes são esperadas em breve. “Para a próxima semana, teremos muito mais informação”, afirmou à Nature Vineet Menachery, virologista da Universidade do Texas em Galveston, que participou no estudo agora divulgado.

Perseguir as variantes

Desde meados de Dezembro que tem existido um esforço na perseguição dessas novas variantes. Até agora, em Portugal foram identificados 34 casos de infecção associados à variante encontrada no Reino Unido designada VUI–202012/01 ou linhagem B1.1.7. Desses, 18 pertencem à Madeira, dez a Lisboa e os restantes aos distritos de Setúbal e Guarda, segundo Ricardo Leite, investigador do IGC. A identificação foi feita através de sequenciação de amostras do vírus no âmbito um estudo de sequenciação genómica do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa) em colaboração com o IGC. Esta análise tem continuado e é certo que existirão mais casos.

Portugal é o terceiro país que já depositou mais sequências associadas a essa variante, de acordo com dados desta sexta-feira na Gisaid. Antes está o Reino Unido com 8786 e a Dinamarca com 76. Pelo menos 28 países inseriram amostras na Gisaid e 45 reportaram casos com a variante. Uma das preocupações quanto a esta variante tem sido a sua maior transmissibilidade. Num relatório do Consórcio de Genómica da Covid-19 no Reino Unido estima-se que esta variante seja cerca de 50% mais transmissível do que os restantes vírus em circulação.

“Os dados no Reino Unido sugerem que é mais transmissível, mas não sabemos bem como se comporta noutras geografias”, refere Ricardo Leite. Por isso, convém que se faça um estudo sobre como as variantes se vão comportando a nível da genómica, da epidemiologia e da infecciologia. Uma variante (ou linhagem) começa a aparecer quando o vírus reúne mutações dominantes, que são características dessa linhagem e acontecem numa certa geografia e espaço temporal. De acordo com Ricardo Leite, há já dezenas em Portugal. Contudo, nem todas estão associadas a alguma coisa especial, como na sua função ou patogenicidade.

Perceber porque é que as variantes serão mais transmissíveis é outro dos grandes objectivos da ciência. “Compreender quais as propriedades do vírus que o fazem mais transmissível permitem-nos ficar mais informados sobre as decisões políticas”, observa Wendy Barclay, membro de um grupo que aconselha o Governo britânico na resposta à VUI–202012/01.

O rápido crescimento da variante da África do Sul, a 501Y.V2, também tem sido uma preocupação. Na Europa já foi encontrada pelo menos no Reino Unido e na Finlândia. Até ao momento, não há indicação de que tenha sido identificada em Portugal. Apesar de ter surgido de forma independente da do Reino Unido, partilham certas mutações na proteína da espícula, como a N501Y, presente tanto na variante britânica como da África do Sul e agora estudada. Aparentemente, esta mutação aumenta a força da ligação entre a proteína da espícula e o receptor, o que facilitará a entrada nas células. Para esclarecer esta hipótese, há equipas que já preparam testes em animais, como a de Vineet Menachery em hamsters. Também se suspeita que a mutação E484K encontrada na variante da África do Sul possa contribuir para que o vírus escape às respostas imunitárias de algumas pessoas. Muito ainda se espera desta caça às mutações.

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