SEF tem 40 inquéritos-crime em curso contra clubes de futebol amador

Clubes funcionam como “barrigas de aluguer” de jogadores que pagam aos angariadores entre mil a cinco mil euros para concretizarem o sonho de jogar na Europa. O estratagema tem vindo a agravar-se em tempos de pandemia, segundo relata o Sindicato dos Jogadores.

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Adriano Miranda

Vários clubes de futebol não profissional estão a ser investigados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) por suspeita de prática de crimes de auxílio ilegal e tráfico de seres humanos relacionados com a contratação de jogadores estrangeiros. Segundo o Jornal de Notícias, há actualmente 40 inquéritos-crime em curso, visando clubes de futebol do Campeonato Nacional de Seniores e divisões inferiores de todo o país.

Ao PÚBLICO, fonte do SEF escusou-se a adiantar pormenores sobre os diferentes inquéritos, alguns dos quais estão em curso e protegidos pelo segredo de justiça. Ainda segundo o JN, desde o ano passado as fiscalizações efectuadas a associações desportivas permitiram detectar 110 atletas em situação irregular.

Em causa está a falsificação de documentos ou de contratos de trabalho por parte de dirigentes de clubes, agentes desportivos e atletas como forma de ultrapassar os obstáculos legais à entrada de jogadores estrangeiros.

Nalguns destes casos, os jogadores entram com um visto de turista. Noutros, entram fora da época de contratações e os clubes arrastam a respectiva documentação para escaparem a pagar salários e impostos. Na maior parte dos casos, nunca chegam a fazê-lo. Os jogadores acabam, nos dois cenários, a trabalhar de forma clandestina, o que configura auxílio à imigração ilegal.

Estes estratagemas têm vindo a agravar-se desde que começou a pandemia, segundo adiantou ao PÚBLICO Joaquim Evangelista, do Sindicato dos Jogadores. “Ainda há pouco tempo, um clube no distrito de Bragança inscreveu 12 jogadores argentinos de uma assentada”, exemplificou, para acrescentar que à medida que a pandemia se agrava fora da Europa “mais jovens e pais vêem na Europa a panaceia para os seus problemas”.

“Os angariadores contactam os pais ou os jovens que lhes pagam entre mil a cinco mil euros convencidos de que vêm para um clube português realizar o seu sonho. E os clubes funcionam aqui como uma espécie de ‘barriga de aluguer’, isto é, os angariadores pagam-lhes para terem os jogadores. Muitos nem chegam sequer a ser inscritos e, ao fim de algumas semanas ou meses, são abandonados”, descreve Evangelista, garantindo que o sindicato tem sido chamado a suportar financeiramente o retorno de muitos destes jogadores aos países de origem.

“É um negócio que permite muita impunidade, apesar do trabalho notável de sinalização destes casos que o SEF tem feito”, conclui aquele dirigente, para quem “é inaceitável que os dirigentes desportivos utilizem o futebol para este fim”.

De resto, Joaquim Evangelista nota que não faz qualquer sentido que um clube de futebol amador, que compete a nível local ou regional, recorra a formas societárias complexas para se constituir e à contratação de jogadores estrangeiros. “É inaceitável que, no limite, estas instituições sejam cúmplices de tráfico de seres humanos”, conclui.

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