Português em Wuhan: “Não tive receio de voltar, a situação estava pior em Portugal do que na China”

Treinador adjunto regressou à cidade chinesa em Agosto e descreve cenário de normalidade. Quadra festiva foi passada nas ruas, à medida que a China tenta reactivar economia da metrópole com 11 milhões de habitantes.

Foto
Noite de passagem de ano em Wuhan foi passada nas ruas Reuters/TINGSHU WANG

Precisamente um ano após o surgimento dos primeiros casos de covid-19, a cidade chinesa de Wuhan, epicentro da pandemia do novo coronavírus, voltou a ser “normalíssima”. Quem o diz é Luís Estanislau, treinador adjunto do Hubei Chufeng Heli, clube da segunda divisão chinesa. O técnico, habitante da cidade chinesa com cerca de 11 milhões de habitantes, regressou ao país em Agosto, mas a actual acalmia contrasta com a agitação do início do ano, quando uma estranha forma de pneumonia começou a preocupar o país.

Em Fevereiro do ano passado, as horas teimavam em não passar e Luís Estanislau aguardava por uma comunicação da Embaixada de Portugal em Pequim. As prateleiras dos supermercados estavam vazias e a vida em Wuhan, epicentro da pandemia de covid-19, deteriorava-se de dia para dia.

Foto
Luís Estanislau em jogo de futebol

Estávamos em pânico com tudo o que estava a acontecer e a forma como a população de Wuhan estava a reagir em relação ao acesso aos bens essenciais como comida e outros”, relembra o treinador adjunto em conversa com o PÚBLICO.

O regresso a casa aconteceria em Fevereiro, num voo assegurado pelo Governo. Cumpriu a quarentena num hospital em Lisboa e ficou em Portugal até Agosto. Após o regresso a Wuhan — onde passou a quadra natalícia — constatou que o cenário do início do ano se tinha alterado drasticamente. A vida tinha voltado ao normal e a viagem de regresso parecia ter sido a decisão mais acertada, olhando para o número de infecções diárias que Portugal registava.

“Não tive qualquer receio [de voltar a Wuhan], até porque, quando regressei, a situação estava pior em Portugal do que na China, então senti que estava a fugir ao vírus pela segunda vez.”

O treinador adjunto considera que a cidade onde o vírus teve origem é, neste momento, um sítio mais seguro do que Portugal, atribuindo importância às medidas drásticas que o Governo chinês impôs para estancar o contágio e a subida de novos casos de covid-19.

“Penso que na China foram adoptadas medidas ‘macro’, medidas importantes mas ‘invisíveis a olho nu’. Passo a explicar: em Portugal, foram adoptadas muitas medidas ‘micro’, como o uso de máscara, não serem permitidos ajuntamentos, [funcionamento de] bares e restaurantes com novas regras. Ou seja, muitas, mas medidas pequenas. Na China, optaram por medidas mais imponentes como o encerramento das fronteiras, quarentena obrigatória para toda a população durante mais de 90 dias e testagem de mais de 60% da população. A partir daqui é muito mais fácil controlar a pandemia. Chineses ou pessoas que trabalhem na China, se quiserem regressar [ao país], têm que fazer quarentena obrigatória e pagar do seu próprio bolso”, explica Luís Estanislau.

Com a ausência de novos casos no primeiro epicentro da pandemia – de acordo com as informações das autoridades de saúde chinesas – Wuhan procura reactivar a economia. A diversão nocturna está de regresso e milhares de pessoas celebraram a passagem de ano nas ruas. O carácter repressivo do regime chinês contribuiu para esta regressão do número de casos ou a população chinesa aderiu voluntariamente às medidas decretadas pelo Governo? Questionado sobre se o povo chinês foi mais receptivo às regras sanitárias do que os portugueses, Luís considera que os cidadãos de Wuhan depositaram confiança total nas medidas do Governo.

“Temos por hábito dizer que a política na China é mais rígida, dura, que o comunismo reina neste país. O que eu sinto é que as pessoas acreditam muito que aquilo que o Governo diz é para o seu próprio bem. Obviamente que eles atribuem defeitos ao Governo, como em todo o lado, mas, por outro lado, acreditam que estão 100% seguros. Não falo só em relação ao vírus! Em Portugal, questionamos todas as medidas. Aqui cumpre-se. É a diferença.”

A vida regressou ao normal na cidade onde foram identificados os primeiros casos de covid-19, mas a revelação do vírus à comunidade internacional, à revelia do Governo chinês, teve custo elevados. Jornalistas e activistas foram perseguidos e encarcerados. Apesar das fortes medidas tomadas para conter o vírus quando foi conhecida a dimensão do problema – que se espalhava rapidamente por outros países –, Pequim admitiu em Fevereiro ter falhado na resposta inicial aos primeiros casos de covid-19, prometendo proibir os mercados de animais selvagens, responsáveis pela transmissão do vírus a humanos. 

Sugerir correcção
Ler 4 comentários