O que nos espera em 2021

Esta crise é uma oportunidade de progresso económico e social. Porém, a grande questão de 2021 é saber se teremos estadistas ou, pelo menos, líderes minimamente responsáveis para a aproveitar. Mas, como sempre, o futuro depende do que fizermos dele.

A pandemia provocada pela covid-19 é uma crise de muito difícil resolução e de consequências imprevisíveis do ponto de vista sanitário, político, económico, social e de segurança.

Como não tivemos capacidade para antecipar uma pandemia previsível, não nos devemos enganar sobre o alcance das mudanças em curso.

Estamos a viver um dos períodos mais agitados e inovadores desde o fim da II Guerra Mundial. Que forças moldarão o mundo pós-covid e pós-Trump?

Agora, como na crise financeira de 2008-2010, a ordem global foi abalada. Esta nova grande perturbação continuará a fortalecer uma China cada vez mais confiante e a criar enormes problemas à Europa e aos EUA. Em 2021, os valores democráticos liberais que ambos defendem continuarão a ser questionados.

No entanto, o mundo será definido mais pelas pela evolução da ciência, da tecnologia ou das mudanças climáticas do que pelas dinâmicas na luta entre as democracias liberais e as autocracias.

A expectativa é grande em relação à agenda – da Comissão Europeia – de mudança global ao nível ambiental, digital e do ciberespaço.

Com as divergências entre os EUA, a China e a Rússia a dominar a política internacional, Portugal e a Europa terão de recuperar as condições de autonomia indispensáveis à defesa dos seus valores e dos seus interesses.

Na entrada no próximo decénio é previsível que a economia do conhecimento abra um novo ciclo de modernização sustentável à escala global. E que a transição energética possa criar novas condições para o desenvolvimento e bem-estar, assim como para conter a poluição do meio ambiente e a degradação da natureza.

Em 2021 teremos muita imprevisibilidade, dadas as relações entre a pandemia, uma agitada geopolítica e uma recuperação económica incerta.

A derrota de Trump marca o fim de uma das mais perniciosas presidências da História americana. Para além disso, a actual crise tem outra dimensão: a covid-19 não se limitou a afectar a economia global.

Mudou a trajectória das três grandes forças que estão a moldar o mundo moderno. O paradigma da globalização foi alterado. A revolução digital foi acelerada. E a rivalidade geopolítica entre os EUA e a China intensificou-se.

Ao mesmo tempo, a pandemia agravou um dos piores flagelos: a desigualdade. Até ao fim de 2021, estima-se que 150 milhões de pessoas estarão num grau de extrema pobreza.

Em 2021, continuaremos a coexistir com o vírus e com os comportamentos que lhe estão subjacentes. Mas teremos testes mais seguros e baratos. E continuará a ser distribuída a vacina, que será objecto de contestações por parte dos negacionistas.

Será o maior programa de vacinação da História. Mas a vacinação universal não estará ao nosso alcance em menos de três anos.

As novas vacinas ilustram a extraordinária aceleração da investigação científica e o excepcional potencial da cooperação entre universidades e laboratórios.

Nos EUA, a vacinação vai ser muito politizada. A “diplomacia da vacina”, em que a China já se lançou, passará o debate para a área geopolítica, em que se esperam choques intensos entre nações. E, ao contrário do que alguns escreveram, a China ainda não ganhou a “guerra da covid”.

Em 2021 continuarão a ocorrer mudanças não só no âmbito do teletrabalho como também na adopção de novos comportamentos tecnológicos, que vão da videoconferência às compras online. O seu uso já atingiu níveis que só eram esperados daqui a muitos anos.

Multiplicam-se as transacções “sem dinheiro”. A transição estende-se rapidamente a áreas historicamente resistentes à mudança, como a saúde e a educação, através de consultas remotas e ensino à distância, respectivamente.

Este mundo novo com muitas incertezas cobrará o seu preço, destruindo postos de trabalho ou liquidando empresas tradicionais. A recuperação económica será desigual e o mundo ocidental não tem perspectivas brilhantes.

Em relação ao novo Presidente Joe Biden, tem maior margem de manobra na política internacional do que na doméstica. No entanto, a sua força será determinada pela política americana. Trump continua a encorajar a deslegitimação de Biden e das eleições. O Partido Republicano está dele refém. É previsível que isto se traduzirá no boicote sistemático da Casa Branca.

Será que a eleição de Biden e o novo impulso integrador da Europa podem restaurar a confiança das democracias nelas próprias e na sua capacidade de se renovarem?

Todos aguardam uma mudança na política externa dos EUA, o regresso das alianças e uma nova era da política externa americana. Em Bruxelas haverá urgência em aproveitar o início da Administração Biden para repensar a relação euro-atlântica.

Em relação à NATO, a organização deverá evoluir politicamente, de modo a desempenhar um papel militar relevante numa era de competição estratégica complexa e ambígua.

Relativamente à China, há um conflito geopolítico, em que Washington deverá confrontar Pequim com o restabelecimento da sua abalada rede de alianças. E, mais importante do que o comércio e a “guerra das tarifas”, será a competição na alta tecnologia.

Finalmente, esta pandemia é uma rara oportunidade para mudar de rumo, tendo em conta outros riscos negligenciados, que vão da resistência aos antibióticos ao terrorismo nuclear, sem esquecer o planeta e as mudanças climáticas.

Esta crise é uma oportunidade de progresso económico e social. Porém, a grande questão de 2021 é saber se teremos estadistas ou, pelo menos, líderes minimamente responsáveis para a aproveitar. Mas, como sempre, o futuro depende do que fizermos dele.

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