Ainda não é possível saber se a variante do Reino Unido está a circular em Portugal continental

Até agora, foram detectados 18 casos associados a esta variante no arquipélago da Madeira.

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Coronavírus SARS-CoV-2 NIAID

Ainda não há indicação de que a variante identificada no Reino Unido, a VUI–202012/01 (Variante Sob Investigação, no ano de 2020, do mês 12, da variante 01), esteja a circular na capital portuguesa. Esta informação foi transmitida por João Paulo Gomes, investigador do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Insa) na conferência desta terça-feira da Direcção-Geral da Saúde. Até agora, foram detectados 18 casos associados a esta variante no arquipélago da Madeira. Já se iniciou uma nova fase na investigação para “perseguir” esta variante no país e será “normal” que o número aumente, disse o investigador. Dentro de alguns dias, poderá ser feita uma actualização.

“Relativamente à circulação da nova variante na capital, ainda não temos indicação de que isso aconteça”, afirmou João Paulo Gomes. “Apesar de ter sido noticiado a existência de um caso associado a Lisboa e Vale do Tejo, essa informação não se confirma.” De acordo com o investigador, todos os casos estão associados ao arquipélago da Madeira e são de portugueses e de alguns estrangeiros.

No domingo, a Secretaria Regional de Saúde e Protecção Civil da Madeira anunciou a presença da variante encontrada no Reino Unido que parece estar a espalhar-se de forma mais rápida do que as outras variantes. “Na sequência da análise genética pedida pela Direcção Regional da Saúde ao Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge a uma amostra de alguns casos positivos detectados na RAM [Região Autónoma da Madeira], foi confirmada a presença da nova estirpe do vírus do Reino Unido na Madeira”, revelava a secretaria regional. Um dia depois, o presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, disse que foram detectados na região 18 casos de infecção com esta variante. Desses, indicou que 17 eram oriundos do Reino Unido e que um era de Lisboa e Vale do Tejo – algo que agora não se confirma, segundo o investigador do Insa.

Agora a perseguição ao vírus passou para uma segunda fase, no âmbito um estudo de sequenciação genómica do Insa em colaboração com o Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC). Nessa perseguição serão seguidas duas pistas. Uma delas é o historial de viagem ao Reino Unido. A outra “prende-se com o facto de se ter constatado que alguns testes actualmente utilizados pelo diagnóstico da covid-19 e que se baseiam em várias regiões do vírus, falham a detecção de uma dessas regiões”, explicou João Paulo Gomes. “É uma fortíssima indicação de se tratar da variante do Reino Unido.”

O investigador do Insa disse ainda que estão a receber amostras de todo o país e que há muitas do aeroporto de Lisboa e do aeroporto do Porto. “Os laboratórios têm dado resposta muito positiva à solicitação do Insa para envio de amostras que cumpram estes critérios”, indicou, sublinhando que o Insa leva quatro dias entre a chegada da amostra e a obtenção de uma resposta definitiva sobre a presença da variante​. Referiu ainda que, dentro de alguns dias, poderá ser feita uma actualização sobre o facto de esta variante estar a circular ou não no continente.

“Não me vou admirar que a variante já esteja no continente”, reagiu o investigador. Independentemente dos países que já reportaram esta variante, João Paulo Gomes esclareceu que 15 deles já depositaram as sequências dos genomas que correspondem a esta variante nas bases de dados públicas. O Reino Unido está em primeiro com mais de 4000 sequências e Portugal aparece em segundo com os tais 18 casos. “Não é de admirar. Somos um destino turístico privilegiado na Madeira e temos muitos emigrantes.”

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Outros países e territórios que já tinham reportado casos desta variante são: a Dinamarca, Suécia, Países Baixos, Alemanha, Suíça, França, Itália, Espanha, Líbano, Canadá, Japão, Índia e Austrália, Coreia do Sul, Noruega, Jordânia, Finlândia, Irlanda, Singapura, Israel, Hong Kong, o Paquistão e o Chile. À medida que o vírus circula pelo mundo, é de esperar que a variante britânica se dissemine e a lista de países onde é reportada aumente. 

Que variante é esta? 

Uma variante genética ocorre quando um vírus sofre mutações ou combinações de mutações genéticas que o podem levar a adquirir algumas características diferentes. João Paulo Gomes referiu que a variante do Reino Unido terá aparecido nos finais de Setembro e disseminado de forma eficaz nos meses a seguir. Há cientistas que julgam que possa ter surgido num doente imunocomprometido que teve uma infecção de longa duração. Assinalou ainda que gerou “muita preocupação”, porque através da sequenciação apresentava mutações que nos preocupavam: algumas que afectam a ligação do vírus às células e outras que estavam associadas à potencial perda de ligação com os nossos anticorpos.

Modelos matemáticos sugerem que se tornou mais transmissível e que existe uma correlação entre o aumento da prevalência desta variante do Sul de Inglaterra e o aumento do número de casos naquela zona e em Londres. O Grupo Consultivo de Ameaças de Vírus Respiratórios e Emergentes (um órgão de consulta do Governo do Reino Unido) sugere que o ritmo de crescimento desta variante é entre 67% a 75% mais elevado do que o de outras variantes. “Foi possível observar epidemiologicamente que esta variante começou a crescer em frequência e a dominar o número de casos no Sul de Inglaterra”, disse o investigador do Insa. “Tem um poder de transmissão bastante superior a outras variantes.” Para ser mais transmissível pode haver vários factores associados, como do próprio vírus, do comportamento das pessoas ou da gestão da própria pandemia.

Por agora, não há provas de que a VUI–202012/01 (também designada linhagem B117) altere a gravidade da doença, seja em termos de mortalidade ou de gravidade dos casos de covid-19. Também não parece pôr em causa a eficácia das vacinas. Mas, para tudo isto, serão necessários mais estudos.

Já são conhecidas várias variantes deste vírus, mas nem todas lhe dão algumas características especiais ao nível da sua função. Ricardo Leite, investigador do IGC e também envolvido na sequenciação do vírus em Portugal, refere que, mais importante do que a quantidade de variantes é a necessidade de rastreio e um rastreio rápido. “Só assim seremos capazes de ajustar estratégias, conter cadeias de transmissão e alertar sobre novas variantes”, considera. “Várias mutações foram identificadas em diferentes locais do mundo, algumas delas associadas, por exemplo, a mutações passíveis de aumentar a afinidade da proteína spike [da espícula] às células do hospedeiro e outras susceptíveis de alterar o reconhecimento de anticorpos.”

Na sua conferência de imprensa de segunda-feira, a Organização Mundial da Saúde alertou precisamente que surgirão ainda mais variantes do SARS-CoV-2 e que é preciso acelerar o processo de descoberta e sequência genética para as acompanhar. “Quanto mais um vírus circula, mais oportunidades tem para mudar. Estas mudanças são normais e expectáveis, mas a maior parte pouco efeito tem no seu comportamento”, disse uma das principais responsáveis técnicas da luta contra a pandemia da covid-19, Maria van Kerkhove.

Na semana passada, o Insa anunciou que tinha detectado três novas variantes do vírus a circular na segunda vaga da pandemia em Portugal num estudo sobre diversidade genética do coronavírus SARS-CoV-2. Essas três variantes mais frequentes do SARS-CoV-2 foram detectadas em todas as regiões de Portugal continental. No país, já foram identificadas várias linhagens e “algumas já bem caracterizadas e objecto de estudo como a linhagem B.1.91 (caracterizada pela mutação spike D839Y) que teve uma expressão muito forte no Norte do nosso país no início da pandemia”, destaca Ricardo Leite. Até 28 de Dezembro, já tinham sido sequenciados 2268 genomas do vírus em Portugal de amostras recolhidas em vários laboratórios, hospitais e instituições. Com José Volta e Pinto

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