Natal em família

Geralmente, no dia 25 de Dezembro, na rua, somos nós, uma mão cheia de outros como nós, os pombos, os corvos, os esquilos e as raposas. Este ano foi ligeiramente diferente, a cidade estava cheia de gente. A maior parte dos estrangeiros – que em Londres são muitos – não apanharam voos para o país de origem, apesar de os voos estarem extremamente baratos.

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LUSA/NEIL HALL

Neste Natal, já tínhamos decidido, ficávamos em Londres. No Ano Novo, já tínhamos decidido, íamos visitar a mãe do meu marido que vive em Bordéus, mas logo no início de Novembro o nosso voo Bordéus – Londres foi cancelado. Cancelámos nós próprios o voo Londres – Bordéus e agora temos dois vouchers da EasyJet para gastar quando melhores tempos vierem. Temos também um voucher da British Airways do voo Porto - Londres, que nos foi cancelado no Verão. Tínhamos um voucher da Ryanair de um voo comprado com muita antecedência para ir a Frankfurt em Abril passado, que foi usado para cobrir a viagem de regresso do Porto cancelada pela British Airways. Enfim, crónicas-voucher dos tempos modernos, mas estava eu a falar-vos do nosso Natal.

Não foi o primeiro Natal que passámos em Londres, e confesso que temos decidido passar cá o Natal porque gostamos. Uma vez por ano, no dia 25 de Dezembro, esta cidade que vive em constante ebulição pára. Não há gente nas ruas: a maioria das pessoas apanhou, três ou quatro dias antes, um voo inflacionadíssimo para os seus países de origem, ou, quem é natural do Reino Unido, um comboio para a cidade onde vive a família.

Os carros são poucos, os supermercados e grandes superfícies estão fechados, o pequeno comércio também, excepto as off licence – pequenas lojas de conveniência que pertencem maioritariamente a pessoas oriundas do Médio Oriente ou da Ásia Meridional e, por conseguinte, maioritariamente muçulmanas, que dão assim menos importância ao Natal do que os cristãos, permitindo-nos comprar, de urgência ou fora de horas, umas quantas mais cervejas, uma garrafa de vinho ou uma tablete de chocolate. Não há autocarros (que estranho Londres sem o vermelho dos seus double-deckers), o metro tanto de superfície como o subterrâneo está parado, os aeroportos - os que permanecem abertos - reduzem substancialmente os voos. Casas de espectáculo, restaurantes e pubs (e pubs!) fecham as portas. Não há mercados nas ruas. Nos Natais em que decidimos ficar em Londres costumamos ir dar uma grande volta a pé para sentir esta energia tão diferente da energia do resto dos outros dias do ano, sejam eles à semana, sábado ou domingo. Geralmente, no dia 25 de Dezembro, na rua, somos nós, uma mão cheia de outros como nós, os pombos, os corvos, os esquilos e as raposas.

Este ano foi ligeiramente diferente, a cidade estava cheia de gente. A maior parte dos estrangeiros – que em Londres são muitos – não apanharam voos para o país de origem, apesar de os voos estarem extremamente baratos este ano. As pessoas naturais do Reino Unido preferiram não levar a assustadora nova estirpe de coronavírus para cidades onde não a há. Ficámos todos, cada um em sua casa. Nós, felizmente, em família, outros sozinhos ou com os seus colegas de apartamento. Pela primeira vez para alguns jovens adultos, estes casos de sorte, festejaram um Natal diferente, talvez surpreendentemente mais divertido, com os seus flatmates. O resto foi igual, os aeroportos vazios, a sensação dos transportes públicos parados, dos supermercados vazios, os mercados, teatros, restaurantes e pubs (e pubs!) fechados... Mas este ano sem a graça do costume porque, afinal, salvo raras inesperadas abertas em dias que até dá ideia de serem mais soalheiros, desde Março que aqui em Londres é sempre Natal.

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