Em ano de pandemia não “chovem” castanhas: Magusto da Velha faz-se porta a porta

A tradição manda que, no dia a seguir ao Natal, chovam castanhas da torre da igreja de Aldeia Viçosa. Este ano, para evitar ajuntamentos, o Magusto da Velha faz-se de casa em casa com castanhas e vinho.

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Magusto da Velha em 2019 DR

“É quase um evento simbólico”, resume o presidente da Junta de Freguesia de Aldeia Viçosa, Luís Prata, em declarações à agência Lusa. “Se o povo não pode ir à Velha”, então que a Velha vá a “a casa de cada um”.

No sábado, dia a seguir ao Natal, a tradição secular do Magusto da Velha, “única no país e no mundo”, volta a cumprir-se em Aldeia Viçosa, freguesia da Guarda. Mas, desta vez, as castanhas e o pipo de vinho vão andar de porta em porta.

Depois de “um período de acompanhamento da evolução da pandemia”, a junta de freguesia decidiu não realizar o evento “nos moldes em que, ancestralmente, se tem vindo a fazer”.

Para cumprir a tradição sem pôr “em risco a saúde das pessoas”, o magusto foi adaptado aos tempos em que vivemos: em vez de os 150kg de castanhas assadas serem lançados do cimo da torre da igreja, serão distribuídas porta a porta pelas cerca de 150 casas habitadas da freguesia.

O evento, reconhece Luís Prata à Lusa, “é a festa dos ajuntamentos por excelência”. “O povo e os turistas juntam-se no adro [da igreja] para apanhar castanhas, brindar com o vinho da Quinta do Ministro, para as tradicionais cavaladas e para os ajuntamentos de famílias e amigos.”

Em ano de pandemia, o Magusto da Velha será, “infelizmente, para ‘consumo interno’, a bem da saúde de todos”, resume a entidade em comunicado. Não há lugar para turistas. “A junta de freguesia tem sido contactada por várias agências de turismo do litoral para trazer os seus clientes ao Magusto da Velha, mas as intenções têm sido reprovadas”, acrescenta-se, prometendo que “no próximo ano o evento regressará ainda mais forte”.

A seguir ao almoço de sábado, será realizado um cortejo, com a colaboração da Associação Hereditas, da Guarda, que levará castanhas e vinho a casa dos moradores da freguesia “para cumprir a tradição”. “Iremos distribuir mais ou menos um quilograma de castanhas por cada casa e vinho porta a porta, que serviremos de um pipo de 50 litros”, pormenoriza Luís Prata. “Caberá a cada um rezar o ‘Padre-nosso’ pela alma da Velha.”

A tradição terá origem numa doação feita por uma mulher abastada, cujo nome se perdeu no tempo, para que os habitantes da localidade pudessem comer castanhas e beber vinho pelo menos uma vez por ano. A iniciativa vem mencionada no Livro de Usos e Costumes da Igreja do Lugar de Porto [antiga designação de Aldeia Viçosa] – Ano de 1698 e, desde então, o povo tem organizado uma festa para recordar o benemérito gesto.

Habitualmente, depois do almoço, é realizada uma missa pela alma da “velha”, seguindo-se o cortejo das castanhas, içadas para a torre da igreja e depois atiradas sobre as pessoas que assistem à festa no adro. Cá em baixo, junto ao madeiro ainda fumegante, a população come as castanhas e saboreia o vinho oferecido e as torradas pinceladas com azeite local, acompanhada a festa de artesanato e animação musical.

Este ano, o magusto é simbólico e caseiro, mas a tradição promete regressar em 2021, com homenagens e surpresas agora adiadas, como a “revelação de descobertas surpreendentes, conseguidas na Torre do Tombo, sobre o Magusto da Velha e a sua benfeitora”. De acordo com a documentação encontrada, “o episódio que dá origem a esta tradição remonta ao século XIV”. A Junta de Freguesia espera ainda apresentar “algumas conclusões” sobre a candidatura do evento ao Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, no âmbito da candidatura da cidade da Guarda a Capital Europeia da Cultura 2027.

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