Estudo revela três novas variantes do vírus a circular em Portugal

Do total de vírus sequenciados não se encontrou qualquer vírus com a combinação de mutações apresentada pela variante actualmente a circular no Reino Unido.

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LUSA/NIAID/NATIONAL INSTITUTES OF HEALTH HANDOUT

Um estudo sobre diversidade genética do coronavírus SARS-CoV-2 detectou três novas variantes do vírus a circular na segunda vaga da pandemia de covid-19 em Portugal, revelou esta quarta-feira um relatório do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA). Essas três variantes mais frequentes do coronavírus SARS-CoV-2 foram detectadas em todas as regiões de Portugal continental, sugerindo que terão sido estas variantes as principais corresponsáveis pela segunda vaga epidémica de SARS-CoV-2.

Uma das três variantes representa cerca de 70% dos genomas virais analisados no estudo e que se caracteriza por “uma mutação muito específica” que afecta as regiões onde se ligam os anticorpos. “Verificámos agora neste estudo que fizemos em colaboração com o Instituto Gulbenkian de Ciência [IGC] que as variantes que estão a caracterizar esta segunda vaga em Portugal têm mutações que não estavam descritas durante toda a primeira vaga”, adiantou João Paulo Gomes, responsável pela unidade de bioinformática do Departamento de Doenças Infecciosas do INSA.

As três variantes mais frequentes (A222V, S477N ou S98F), cada uma delas reconhecida por uma alteração diferente na proteína da espícula, que é responsável pela entrada do SARS-CoV-2 nas células humanas, foram detectadas em todas as regiões de Portugal continental, sugerindo que terão sido as principais co-responsáveis pela segunda vaga epidémica de SARS-CoV-2. Uma variante ocorre quando um vírus sofreu mutações ou combinações de mutações genéticas que o podem levar a adquirir algumas características diferentes.

O coordenador do Estudo da diversidade genética do novo coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19) em Portugal explicou que esta situação resulta de “um processo de adaptação do vírus ao ser humano”. “É normal que isso aconteça, passou um ano desde que o vírus apareceu a infectar os seres humanos, portanto, é perfeitamente normal”, disse, exemplificando que “a variante do Reino Unido que apareceu agora é mais uma e não será a última, infelizmente”, e que gera preocupação.

Precisamente sobre a variante de Inglaterra, uma das razões para estarmos atentos são as mutações encontradas na proteína da espícula, que é muito importante para a entrada do vírus na célula e para os anticorpos que neutralizam o vírus. Diana Lousa, investigadora do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB) da Universidade Nova de Lisboa, assinala que as mutações nessa proteína podem ter dois tipos de consequências: na entrada do vírus nas células e na capacidade de o neutralizar.

Relativamente à entrada do vírus, Diana Lousa indica ao PÚBLICO que há dois passos importantes e que na variante do Reino Unido foram detectadas mutações ligadas a eles. Primeiro, a ligação da proteína do vírus ao receptor nas células humanas acontece numa zona muito específica, o domínio de ligação ao receptor. Mutações aí podem facilitar (ou dificultar) a ligação ao receptor e facilitar assim a entrada do vírus na célula. “Uma das mutações desta nova variante do Reino Unido localiza-se precisamente na zona de interacção entre a proteína da espícula e o receptor”, refere, indicando que ainda não foi reportada em vírus sequenciados em Portugal. Essa mutação chama-se N501Y e foi encontrada em vários países. Já algumas equipas de cientistas a tinham estudado e aparentemente aumenta a força da ligação entre a proteína da espícula e o receptor, o que facilitará a entrada nas células. “Mas ainda não se sabe”, nota.

Depois, o segundo passo importante para a entrada do vírus é que a proteína da espícula tem de ser cortada por protéases (proteínas que cortam proteínas) e a região do vírus onde isso acontece tem de ter um código específico. Qualquer mutação pode fazer com que esse código deixe de ser reconhecido ou levar à criação de novas zonas de reconhecimento. Ora, na variante do Reino Unido há uma mutação nessa região, a P681H. “Isso pode ter implicações: se for mais facilmente cortada, pode ser mais facilmente activada”, diz a cientista.

E serão estas as razões para a variante de Inglaterra ser mais transmissível? “Ainda não é 100% certo que haja maior transmissibilidade, mas parece haver fortes indicações nesse sentido, mas não se sabe qual é a razão pela maior transmissibilidade”, responde Diana Lousa. “Estas alterações podem dar uma vantagem ao vírus, mas não se sabem os detalhes dessa vantagem nem quais as mutações específicas ou se é a combinação delas.” Há, portanto, um caminho a seguir: mais investigação científica. Liderado pelo Instituto Gulbenkian de Ciência, o ITQB está a desenvolver um trabalho em que se estudam algumas mutações observadas no SARS-CoV-2. “Aqui fazemos simulações que nos permitirão ver se há diferenças na ligação entre a proteína da espícula e o receptor ou se a interacção poderá ficar mais forte.”

Relativamente às mutações observadas no país, João Paulo Gomes afirmou que algumas “são bem interessantes”, mas não são exclusivas de Portugal, sublinhando que “uma das mutações que caracteriza uma variante que apareceu em Espanha há alguns meses e que se disseminou pelo resto da Europa a uma velocidade espantosa” e que foi observada agora em Portugal em 70% das amostras analisadas no estudo.

Questionado se esta variante é mais letal e se pode explicar o aumento de casos na segunda vaga, o investigador afirmou que “em termos clínicos não há qualquer evidência de que exista uma maior severidade em termos de doença”.

O aumento de casos pode justificar-se com a existência de variantes genéticas com maior capacidade de transmissão, mas o investigador considera que o comportamento social está na base do maior número casos na segunda vaga em todo mundo. “Durante a primeira vaga observámos medidas de restrição mais severas que permitiram um maior controle, agora não estamos a observar isso porque no fim da primeira vaga houve um desconfinamento geral e nós nunca voltámos a um verdadeiro confinamento” porque “seria muito difícil fazê-lo” por questões económicas, sociais, familiares.

Segundo o relatório do estudo, divulgado nesta quarta-feira, foram analisadas, até à data, 2234 sequências do genoma do SARS-CoV-2, que provoca a covid-19, obtidas de amostras colhidas em 68 laboratórios, hospitais, instituições, representando 199 concelhos de Portugal.

Nesta actualização do estudo foram inseridas mais 449 sequências do genoma de SARS-CoV-2, colhidas desde o início de Novembro em 19 laboratórios/hospitais colaboradores de todo o país, estando representados 16 distritos do continente e dos Açores, num total de 113 concelhos.

Do total de vírus sequenciados não se encontrou qualquer vírus com a combinação de mutações apresentada pela variante actualmente a circular no Reino Unido ou pelas variantes associadas a surtos de SARS-CoV-2 em explorações de visons na Dinamarca.

“Curiosamente, não foi detectada a variante genética que marcou a primeira vaga da epidemia de covid-19 em Portugal (com a mutação na proteína da espícula D839Y) nos genomas analisados da segunda vaga. Isto sugere que medidas de saúde pública implementadas terão mitigado a continuação da sua transmissão”, sublinha o documento.

Também esta quarta-feira o ministro da saúde britânico, Matt Hancock, revelou que foi detectada no Reino Unido uma nova variante do SARS-CoV-2 em contactos de pessoas que viajaram de África do Sul. Esta variante já tinha sido anunciada pelo departamento de saúde de África do Sul e sabia-se que poderia ser responsável por um recente surto de infecções no país.

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