Ponha-lhes um laço vermelho: oito sugestões de livros para oferecer este Natal

Viagens, receitas vegetarianas e veganas, ideias para salvar o planeta, plantas comestíveis. Um livro será sempre uma boa prenda.

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Nelson Garrido

VIAGENS

Portugal oitocentista aos olhos de uma britânica

Há várias passagens deliciosas sobre o carácter dos portugueses neste relato do Portugal oitocentista visto pelos olhos de Dorothy Wordsworth, a filha do poeta britânico William Wordsworth, mas este é irresistível (e por isso também o mais citado, mas não tentaremos aqui ser originais nesse ponto). Escreve ela: “O pior sintoma do seu carácter e um sintoma que, de facto, para nós à distância torna os portugueses algo ridículos, é aquele clima de eterna guerra civil de pequena escala, que parece começar sem um plano, suspender-se sem resultados e, após uma trégua mal-humorada, ser reatada sem um objectivo definido.”

É muito curioso perceber o que chama a atenção de uma inglesa do século XIX ao viajar por Portugal – e se as passagens sobre os locais que visita são obviamente interessantes, o mais fascinante são as descrições do comportamento dos portugueses, com considerações geralmente benévolas: “Por exemplo, ouvimos muitas vezes falar da mesquinhez dos portugueses na altura de tratar de acordos de alojamento […] e às quais aplicamos a censura da sordidez apenas porque diferem do nosso modo de fazer as coisas.”

Dorothy viaja com o marido, Edward Quillian, um oficial britânico nascido em Portugal, que se dedicava a traduzir para inglês os poetas portugueses e com o qual se casou, com 39 anos, contra vontade do pai. É a 7 de Maio de 1845 que os dois – Dorothy já sofria de tuberculose, e morrerá em Inglaterra, um ano depois desta viagem – partem de Southampton no vapor Queen em direcção ao Porto, onde se vão instalar inicialmente. Ao longo do ano seguinte viajarão por Portugal, percorrendo vários locais, até Lisboa, de onde seguem para Cádis, sendo a última parte do livro referente a Espanha.

Da viagem e desse olhar muito pessoal, marcado por um britânico sentido de humor, pela curiosidade, algumas vezes pelo encantamento, outras pelo espanto (positivo ou negativo, neste caso sobretudo quando se refere às elites nacionais), nasce este Diário, que até agora não tinha tido edição em português e cuja tradução é da responsabilidade de Francisco J. Gonçalves. A.P.C.

VIAGENS

As viagens de uma mulher solitária

“O facto de escrever já contaminou tudo na minha vida. Vivo a ser escritora. Aonde quer que vá, há sempre uma possibilidade de narrativa.” Há muitos anos que Raquel Ochoa viaja, desde que aos vinte anos fez um Interrail sozinha e aprendeu que “ao abraçar a solidão corre-se um risco: assumir a pessoa que se é a todo o custo”.

Neste livro, que tem a enorme vantagem de, numa escrita limpa, não mistificar as coisas boas e descrever com honestidade as menos boas, enfrentamos a “ansiedade metafísica [que há] na experiência planetária” (a citação de Julio Cortázar, logo no início, abre esse caminho), passando pelo Nepal, Índia, Sri Lanka, Nova Zelândia, Cabo Verde, Senegal e Gâmbia, Filipinas, Japão e Hong Kong.

São muitas histórias, muitas personagens fascinantes e um foco particular no que é viajar sozinha, sendo mulher. Curiosamente, foi a passagem por uma escola preparatória particularmente difícil que a preparou para muitas coisas que teve que enfrentar. “As viagens, às vezes, obrigam-me a voltar lá, àquela sensação de vulnerabilidade confinada a um espaço de onde não podemos sair.” A.P.C.

GASTRONOMIA

A que sabe o mundo?

Deana Barroqueiro lança-se à História dos Paladares e entra num mundo que se adivinha infinito. O livro, que acaba de ser lançado, tem quase 500 páginas e mais de 250 receitas de diferentes épocas – e, note-se, trata-se apenas do primeiro volume.

Nele, a autora do best-seller D. Sebastião e o Vidente, centra-se nos “paladares da sedução” e, com referências que abarcam toda a história da humanidade, leva-nos por várias viagens no tempo a descobertas que vão dos paladares doces/melosos/sacarinos aos silvestres/bravios/monteses, passando pelos viscerais/sanguinosos/telúricos, os cremosos/coalhados/bolorentos ou os aromáticos/pungentes/ardentes.

Foram, escreve na inicial Carta ao Leitor, quatro anos de uma “aturada investigação” centrada em fontes muito variadas, que resultou num livro com uma estrutura dividida em pequenas histórias e respectivas receitas, num esforço para “articular a História com os diversos ramos da cultura, ciência e civilização universais, através das anedotas, acontecimentos e personalidades mais relevantes para a evolução do paladar e da Gastronomia, desde a Idade da Pedra até aos nossos dias”. Para consumir com tempo e vagar. A.P.C.

GASTRONOMIA

Alimentos yin e alimentos yang

Geninha Horta Varatajo, directora do Instituto Macrobiótico de Portugal, reúne neste livro mais de 100 receitas vegetarianas e veganas, de sopas, legumes e saladas, pratos com leguminosas, com algas, a molhos e pastas para barrar, sobremesas naturais e bebidas e remédios caseiros. O primeiro capítulo é uma útil introdução aos princípios da Alimentação Macrobiótica Padrão que, avisa a autora, deve, contudo, ser “convenientemente adaptada, consoante as estações do ano, a condição e a constituição física de cada pessoa”.

Daí que valha a pena determo-nos um pouco mais aí para percebermos as diferenças entre os alimentos yin e os yang, sendo que os primeiros “expandem as nossas células, tecidos e órgãos” e os segundos têm o efeito oposto, “o da contracção”. O objectivo é conseguir um equilíbrio entre uns e outros.

O livro inclui ainda uma Pirâmide Alimentar Macrobiótica, que tem na base os cereais integrais e no topo o “uso opcional de alimentos de origem animal”, e informações mais detalhadas sobre, por exemplo, a forma de usar os temperos culinários ou que alimentos são os mais indicados para “manter uma condição estável ou recuperar de uma situação crítica”. A.P.C.

GASTRONOMIA

O universo das plantas comestíveis

É uma obra de referência aconselhável para todos os que querem saber mais sobre o universo das plantas comestíveis. Com um enorme cuidado gráfico e uma selecção de imagens de imensa qualidade (trabalho que coube ao biólogo Luís Mendonça de Carvalho), a obra do professor Mendes Ferrão reúne não apenas informação muito rica sobre um grande conjunto de frutas, hortícolas, cereais, leguminosas e as plantas usadas para gorduras e óleos, como oferece vários textos sobre questões fundamentais ligadas à alimentação humana.

O autor, professor catedrático jubilado de Agronomia Tropical, que foi secretário de Estado da Agricultura e, entre muitas outras coisas, presidente da Comissão Nacional da FAO, analisa aqui temas como o de saber se há alimentos para todos, a produção mundial, o crescimento da população, os novos hábitos alimentares e a sua influência na disponibilidade de alimentos, como gerir as plantas na agricultura e se devemos regressar à alimentação do passado. A.P.C.

GASTRONOMIA

Comer bem e salvar o planeta

O mote é comer bem para salvar o planeta. Como tal, o cientista Johan Rockström, director do Stockholm Resilience Centre e docente de Sustentabilidade Global na Universidade de Estocolmo, compilou uma série de “receitas que podem mudar o mundo”, tendo em conta dois critérios: pratos saudáveis e sustentáveis.

O livro aborda ainda o combate ao desperdício alimentar, fornecendo dicas de poupança e ideias sobre como preservar os alimentos por mais tempo e como aproveitar sobras.

Partilhamos aqui algumas dessas dicas: congele alimentos em porções pequenas, dê uma nova vida aos legumes murchos, ofereça comida, influencie o comércio local, aproveite tudo, toca a triturar, compre só aquilo que precisa, peça para levar o que sobrou quando come fora. L.O.C.

GASTRONOMIA

Pastelaria 100% vegetal

Gabriela Oliveira, vegetariana há mais de duas décadas, é autora de uma série de livros de receitas veganas publicados pela Arteplural nos últimos anos. Dedica este “capítulo” Doces e Sobremesas aos seus filhos, “provadores e devoradores” de trufas, bolachas e muffins, pastéis, croissants e pão doce, gelados, pudins e doces de colher, tartes, tortas, bolos e brownies.

“Quando se explora a pastelaria 100% vegetal, desconstroem-se alguns mitos e abrem-se novas perspectivas”, escreve Gabriela, que fez o primeiro bolo sem ovos há mais de vinte anos e que agora decidiu juntar receitas que estavam dispersas nos outros livros que escreveu e acrescentar 40 receitas novas — como a recriação dos pastéis de nata. Tudo isto sem ovos, leite, manteiga ou até açúcares refinados.

“Mesmo quem tem pouca experiência ou parcos dotes de pasteleiro pode ser bem-sucedido na doçaria vegana.” L.O.C.

SUSTENTABILIDADE

Vamos salvar o mundo natural

David Attenborough dispensa apresentações: ele é provavelmente “o naturalista mais reconhecido mundialmente, graças às mais de sete décadas como divulgador de ciência e da vida animal na televisão”. Aos 94 anos, lança uma obra que é ao mesmo tempo um livro de memórias e “um alerta para o declínio dos lugares selvagens do nosso planeta e da sua biodiversidade”.

Uma Vida no Nosso Planeta, título homónimo de um documentário de sucesso da Netflix, chegou a Portugal em Novembro, pela mão da Temas e Debates, e é o testemunho de sir Attenborough (Isleworth, Inglaterra, 1926) “de um mundo que já não existe”, mas também a sua visão para o futuro, “onde a Humanidade passará a ser a guardiã atenta da Terra”.

Impresso em papel reciclado, Uma Vida no Nosso Planeta começa com uma análise do que correu mal nos últimos 70 anos e segue para uma previsão apocalíptica do futuro. Mas termina com uma mensagem de esperança, para que o leitor perceba que ainda se pode “reverter o declínio”. “O mundo natural está a desaparecer aos poucos. As provas estão por toda a parte. Aconteceu durante a minha vida. Eu vi com os meus próprios olhos. E irá levar à nossa destruição. Contudo, ainda há tempo para desligar o reactor.”

O resto lê-se (de um fôlego) ao longo de 320 páginas – onde há também algumas das imagens sublimes que nos habituámos a ver nos documentários do sir. S.S.C.