KPMG absolvida das multas aplicadas pelo BdP no caso BES

A consultora foi absolvida, tal como os seus sócios, pela juíza do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão das condenações do Banco de Portugal, depois de ter contestado as contra-ordenações e multas num valor total de 4,9 milhões.

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Miguel Manso

A KPMG e os cinco sócios visados nas condenações do Banco de Portugal foram esta terça-feira absolvidos na íntegra de todas as contra-ordenações e multas aplicadas pelo supervisor.

Uma decisão que diz respeito a um processo em que são acusados de violação de normas que determinam o “dever de os revisores oficiais de contas ao serviço de uma instituição de crédito e os auditores externos de comunicarem factos que são susceptíveis de determinar uma emissão de reserva às contas da entidade que auditam”, neste caso o Banco Espírito Santo (BES), bem como de terem prestado informações incompletas e falsas ao supervisor sobre as contas da sua filial angolana BESA.

Ao fim de duas horas e meia de leitura da sentença, a juíza do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS) considerou em termos gerais que a KPMG comunicou ao BdP tudo o que tinha a comunicar no devido tempo e com a informação disponível na altura. E não deu como provado que o conteúdo das actas das assembleias-gerais do BESA realizadas em 2013 fosse verdadeiro ou relevante para efeitos de certificação de contas do BES/ESI, a casa mãe.

Para além da auditora, KPMG (três milhões de euros), o BdP, na sua decisão de 22 de Janeiro de 2019, o BdP condenou ainda ao pagamento de coimas o presidente Sikander Sattar (450 mil euros) e mais quatro associados, Inês Neves Viegas (425 mil euros), Fernando Antunes (400 mil euros), Inês Filipe (375 mil euros) e Sílvia Gomes (225 mil euros), pelos factos ocorridos no período que antecedeu o colapso do grupo, entre Julho e Agosto de 2014. Um processo contra-ordenacional que ficou fechado em 2019 e que culminou na aplicação de coimas de 4,9 milhões de euros. A decisão da juíza constitui um duro revés na estratégia de defesa do BdP.

O Tribunal aceitou o pedido do BdP de prorrogação por 10 dias do prazo para poder recorrer da sentença. E deu os mesmos 10 dias à KPMG para poder responder ao recurso do BdP. 

O Banco de Portugal reagiu à decisão, referindo que tomou conhecimento da sentença proferida que, “no contexto de recurso de impugnação judicial da decisão condenatória proferida pelo Banco de Portugal no processo de contraordenação n.º 100/14/CO, absolveu a KPMG Portugal e cinco dos seus auditores”. E acrescentou que “analisará os fundamentos de facto e de direito da referida sentença, de modo a avaliar da eventual interposição do competente recurso”.

Durante a leitura da súmula da sentença, a juíza debruçou-se sobre as contradições que alegou ter detectado na defesa do BdP. Nomeadamente, quando o ex-governador Carlos Costa foi a Santarém evocar que um banco pode cair num mês, ao mesmo tempo que o BdP ali foi defender que o facto de a KPMG ter conhecimento há muito tempo dos problemas existentes no grupo contribuiu para a queda do BES. Outro ponto que a juíza salientou foi o facto de o BdP ter ao longo do tempo atribuído valor ao papel do Banco Nacional de Angola (BNA) e, portanto, se o BNA não lhe reportou os factos apurados no BESA foi por considerar que não o devia fazer.

A juíza manifestou surpresa com o esclarecimento dado pelo BdP a um requerimento do Ministério Público, que solicitou que o Tribunal perguntasse ao supervisor quantas comunicações recebeu de auditoras ao abrigo do artigo 121º [reporte de factos considerados graves]. Isto, dado que a resposta do BdP foi “várias”. E, sendo assim, a explicação foi considerada vaga (pode ser “duas ou mil") tendo em conta que o BdP advoga que o artigo 121º é permanentemente invocado para os auditores reportarem situações apuradas no quadro da sua acção.

As análises dos peritos que estiveram em Santarém a depor, um do BdP e outro da KPMG, com visões diferentes, levaram a magistrada a concluir que não há prática no sector de auditoria de reporte ao BdP de todos os factos que detectam, confirmados ou não.

O Tribunal acompanhou a tese jurídica de que a KPMG não era obrigada por lei a reportar os factos apurados no BESA, dado que este banco angolano respondia perante o BNA e este é que se articulava com o BdP. De fora ficou o argumento da defesa do BdP de que estando o presidente da KPMG, Sikandar Sattar, de ambos os lados - a presidir à KPMG Portugal, que auditava o BES, e à KPMG Angola, que acompanhava o BESA - teria obrigação legal, ou pelo menos ética, de informar o BdP sobre os problemas da filial angolana. Em causa estava uma carteira de créditos incobráveis de 5, 7 mil milhões de dólares que impactavam nas contas do BES e da ESI, pelo que o BdP considera que ao omitir este facto a KPMG prejudicou a análise prudencial ao grupo financeiro e, por isso, impediu-o deliberadamente de detectar mais cedo os problemas que culminaram na queda do BES.

Durante o julgamento, a defesa do presidente da KPMG destacou que Sikander Sattar não estava inscrito como revisor oficial de contas em Portugal, não fazendo parte da equipa de auditores externos do BES, pelo que não se enquadrava juridicamente na decisão do BdP, ainda que o próprio não se desresponsabilizasse dos procedimentos adoptados pela auditora. Também Inês Filipe, à frente da KPMG Angola, objectou que não foi auditora do BES, mas sim do BESA, entidade de direito angolano, sem “linha de reporte ao Banco de Portugal”, mas sim ao BNA. Para mais, a KPMG Angola não era visada, mas sim a KPMG Portugal. A defesa de Inês Filipe recordou que a KPMG Angola incluiu reservas às contas entregues no BNA, do qual é neste momento auditora, e que este supervisor nunca a visou em qualquer acção sancionatória.

Esta decisão culmina um processo de troca acusações mútuas entre o regulador e a auditora. Por um lado, o BdP alegou que, apesar da sua insistência, a KPMG não lhe deu a conhecer a verdadeira qualidade dos activos do BESA (com uma carteira de créditos problemáticos de 5,7 mil milhões de dólares) e, dado que esta tinha impacto nas contas do BES e da Espírito Santo International (ESI), prejudicou a análise prudencial ao grupo financeiro. E, por isso, impediu deliberadamente o BdP de detectar mais cedo os problemas que culminaram na queda do BES.

Por sua vez, a KPMG argumentou que toda a informação foi reportada ao BdP — o que a auditora sabia e o que foi descobrindo — e que para efeito da certificação de contas até foi mais além, detectando a exposição descontrolada do ramo não financeiro do GES à ESI (e ao BES), dali resultando uma potencial insuficiência financeira de 700 milhões de euros. A KPMG lembrou ainda que o seu dever de reporte no caso BESA era para com o Banco Nacional de Angola (BNA) e o BNA é que interagia com o BdP, sendo que, a partir de Janeiro de 2014, o risco Angola estava coberto pela garantia soberana do Estado angolano. A KPMG Portugal auditava a ESI e o BES, e a KPMG Angola o BESA.

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