O que importa saber agora sobre as vacinas da covid-19

Nos ensaios clínicos das vacinas da covid-19 baseadas em ARN-mensageiro, tecnologia ainda nova, os efeitos adversos têm sido relativamente ligeiros. Para que a população esteja preparada, é importante dizer estas vacinas causam mais reacções adversas do que as convencionais, mas até agora não houve registo de efeitos secundários raros.

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Victoria Jones/Reuters

Até ao momento, o SARS-CoV-2, vírus responsável pela covid-19, causou mais de um milhão de mortes e vários milhões de infectados. As medidas de contenção, embora eficazes, vêm com um custo social e económico elevado e a sua manutenção é insustentável a longo prazo. É inquestionável que o retorno à normalidade só será possível com uma vacina eficaz e segura.

As vacinas constituem uma das maiores conquistas da medicina. A nível global, os seus efeitos na diminuição da taxa de mortalidade só são suplantados pela introdução de água canalizada.

Quando o SARS-CoV-2 foi identificado no final do ano passado na China, a comunidade científica mundial congregou esforços para desenvolver uma vacina que permitisse travar a disseminação deste novo coronavírus. Graças a estes esforços concertados e ao conhecimento adquirido aquando do surto do vírus SARS-1, em 2003/2004, foi possível desenvolver vários candidatos a vacina em tempo recorde. Dois dos candidatos estão prestes a receber autorização para serem introduzidos no mercado e pelo menos outros dois encontram-se em fase avançada de ensaios clínicos (em pessoas). No entanto, o seu desenvolvimento rápido aliado, nalguns casos, ao uso de novas tecnologias têm levantado questões por parte do público. São estas questões que irão ser abordadas neste texto.

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Ilustração do vírus SARS-CoV-2 (que causa a covid-19) com a proteína spike à superfície Instituto Salk

Que vacinas se prevê ficarem disponíveis para a covid-19?

Há pelo menos quatro vacinas que são passíveis de ficarem disponíveis num futuro próximo: a da Pfizer/BioNTech; da Moderna; da AstraZeneca/Oxford; e a da Novavax. Todas elas recorrem ao mesmo antigénio, a proteína viral spike para induzir a produção de anticorpos protectores. A spike é uma proteína que se encontra à superfície do vírus e que funciona como uma “chave” com a qual o vírus entra nas nossas células. Os anticorpos induzidos pelas vacinas ao bloquearem a proteína viral spike protegem-nos da infecção. O que difere nestas quatro vacinas entre elas é o modo como o antigénio spike é veiculado.

• Vacinas proteicas
Têm uma formulação semelhante a vacinas já existentes no mercado, como a vacina para a hepatite B. É o caso da vacina da covid-19 desenvolvida pela Novavax, na qual a proteína viral spike é administrada na presença de adjuvantes cuja função é activar as células do sistema imunitário. Os ensaios clínicos de fase II foram extremamente promissores mostrando que esta vacina é capaz de induzir a produção de uma elevada quantidade de anticorpos. No entanto, a sua eficácia só será aferível após conclusão ensaios de fase III, em 2021. Esta vacina tem a vantagem de não necessitar de condições especiais de transporte e armazenamento (basta guardá-la num frigorífico convencional).

• Vacinas de ARNm e de adenovectores
No caso das vacinas de ARN-mensageiro (ARNm), o antigénio spike, em vez de ser administrado na forma proteica, é administrado na forma de ácido ribonucleico mensageiro (ARNm). Os ARNm contêm as instruções para a produção de todas as proteínas celulares, da insulina à hemoglobina. Mimetizando o que ocorre na infecção, o ARNm viral contido na vacina é descodificado pelas nossas células levando à produção da proteína spike. Uma vez produzida, a proteína spike leva à produção de anticorpos protectores.

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A imunologista Helena Soares

No desenvolvimento de vacinas para a covid-19 utilizaram-se duas estratégias diferentes para entregar o ARNm nas células. As empresas Moderna e Pfizer/BioNTech optaram por colocar o ARNm viral dentro de uma cápsula constituída por lípidos (nanopartícula lipídica) que ajuda a transportar o ARNm para dentro das células. Já a vacina da AstraZeneca/Oxford, em vez da cápsula lipídica, utiliza o invólucro de um vírus de chimpanzé inócuo para entregar a informação genética que codifica a proteína spike – é uma vacina baseada em vectores adenovirais. A vacina desenvolvida pela AstraZeneca/Oxford tem como vantagens o custo, uma estrutura de produção já estabelecida e facilidade de armazenamento. No entanto, a sua eficácia ainda não é clara e a empresa encontra-se a repetir os ensaios clínicos de fase III.

As vacinas da Pfizer/BioNTech e da Moderna já finalizaram os ensaios de fase III, onde demonstraram uma protecção para a covid-19 de 95 e 94%, respectivamente. Ambas necessitam da administração de duas doses, intervaladas por aproximadamente um mês, para serem eficazes. A vacina da Pfizer/BioNTech oferece maior dificuldade logística, por requerer transporte e armazenamento a 70 graus Celsius negativos, enquanto a da Moderna pode ser transportada a 20 graus negativos, em congeladores comuns.

A vacina da Pfizer/BioNTech está prestes a receber uma autorização de utilização de emergência pela Food and Drug Agency (FDA), a agência norte-americana que regula a aprovação e utilização de fármacos, e a vacina da Moderna deverá igualmente recebê-la a 17 de Dezembro. É expectável que a Agência Europeia do Medicamento (EMA) siga o mesmo caminho e conceda autorização de comercialização a estas duas vacinas muito em breve. Como estas duas vacinas serão as primeiras a entrar no mercado, irei focar-me mais nelas no resto do texto.

As vacinas de ARNm parecem ser eficazes, mas são seguras?

Ainda que não haja nenhuma vacina de ARNm comercialmente disponível, estas começaram a ser desenvolvidas em 2013 e têm sido consistentemente validadas para a sua segurança. Os efeitos adversos reportados nos ensaios clínicos das vacinas de ARNm têm sido relativamente ligeiros e transientes, incluindo febre, dores musculares, dores articulares e dores de cabeça, entre outros. É necessário advertir que estes efeitos secundários se acentuam na toma da segunda dose da vacina. É ainda importante salientar que as vacinas de ARNm produzem mais reacções adversas, isto é, têm maior reactogenicidade, do que as vacinas baseadas em proteínas.

Uma outra preocupação que tem sido levantada por certos sectores da população diz respeito à possibilidade de uma vacina de ARNm provocar alterações genéticas e ser origem de outras doenças. Essas alegações são falsas. O ARNm contido na vacina não só não tem capacidade de alterar o nosso ADN, como é destruído poucos dias após a sua administração. De momento, não há registo de as vacinas de ARNm causarem efeitos secundários raros. No entanto, é necessário ter em mente que estes efeitos só são passíveis de ser identificados quando as vacinas são administradas a milhões de indivíduos.

Quem teve covid-19 deverá tomar a vacina?

A maior parte dos pacientes de covid-19 produz anticorpos protectores, que nalguns casos se mantêm no sangue durante pelo menos seis meses. Uma ressalva importante é que a amplitude na produção de anticorpos varia bastante entre indivíduos, com alguns indivíduos a produzir 200 vezes mais anticorpos do que outros.

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Reuters

Esta assimetria na produção de anticorpos está relacionada, entre outros factores, com a dose de SARS-CoV-2 a que os indivíduos foram expostos; uma menor exposição viral origina uma menor produção de anticorpos. Com a vacina, esta variabilidade não se coloca, uma vez que todos os indivíduos recebem a mesma dose que foi optimizada para originar a produção de anticorpos protectores.

Como tanto a amplitude como a duração da protecção conferida pela infecção por SARS-CoV-2 varia de indivíduo para indivíduo, as pessoas que já tiveram a infecção, não sendo prioritárias, também não estão isentas da necessidade de serem vacinadas.

A vacina será aconselhada a idosos, crianças e grávidas?

À medida que envelhecemos, o nosso sistema imunitário fica menos robusto e por essa razão ficamos mais susceptíveis às infecções e, de modo análogo, as vacinas deixam de funcionar tão bem. A Moderna recrutou mais de 7000 indivíduos com idades superiores a 65 anos para os seus ensaios de fase III. Embora a vacina tenha originado anticorpos protectores nesta faixa etária, fê-lo em menor quantidade comparativamente aos níveis atingidos em indivíduos mais jovens. A vacina parece ter um efeito protector também nos idosos, mas fica em aberto se a duração dessa protecção é inferior à dos adultos e se os idosos beneficiarão de um reforço da vacina para lá das duas doses.

Contrariamente aos idosos, ainda não há dados relativamente às vacinas de ARNm em crianças e grávidas. Habitualmente, o desenvolvimento de vacinas não envolve o recrutamento nem de crianças nem de grávidas. Devido à reactogenicidade considerável das vacinas de ARNm, é possível que as doses e/ou regime de toma tenham de ser ajustados. Terá de se aguardar por mais estudos antes de se poder administrá-las a crianças, uma situação que não será tão grave devido à menor susceptibilidade das crianças à covid-19. Quanto às grávidas, provavelmente beneficiarão da toma de uma vacina com uma formulação semelhante às que já se demonstrou serem inócuas durante a gravidez para outros vírus (como a vacina da hepatite B, que é proteica, ou a da gripe que é com vírus atenuado).

Qual a duração da protecção? Quem toma a vacina pode transmitir o vírus? E se ele sofrer mutações, a vacina continua eficaz?

O que os ensaios clínicos de fase III da Moderna e da Pfizer/BioNTech revelam é que há protecção dois meses após administração da segunda dose da vacina. Neste momento, é impossível avaliar por quanto tempo essa protecção se irá manter, se haverá necessidade de administrar reforços e qual a sua periodicidade. É possível que as vacinas impeçam que fiquemos doentes, mas não que sejamos infectados, o que possibilitaria que pessoas vacinadas transmitissem o novo coronavírus. Não obstante, é razoável pressupor que a quantidade de vírus transmitido por indivíduos vacinados será mais pequena.

O vírus SARS-CoV-2 tem uma taxa de mutação relativamente baixa. Adicionalmente, para que o vírus entre nas células uma parte significativa da sua proteína spike tem de manter-se constante, sob o risco de a “chave” deixar de dar acesso às nossas células. É, portanto, pouco provável que mutações no SARS-CoV-2 ponham em causa a eficácia das vacinas, uma vez que se centram nessa proteína.

Que outras vacinas poderão vir a ser aprovadas?

Para além das referidas, há a destacar vacinas com resultados promissores em ensaios de fase II e que estão prestes a iniciar, ou já iniciaram, ensaios de fase III e com probabilidade de virem a ser aprovadas. São os casos das vacinas desenvolvidas pela Sinovac e pela Sinopharm (empresas chinesas) que se baseiam na administração de vírus SARS-CoV-2 inactivados, estratégia semelhante às vacinas da gripe. Embora seja improvável que venham a ser autorizadas na Europa e nos Estados Unidos, devido a diferenças regulatórias, estas vacinas poderão vir a servir os populosos mercados da China e da Índia.

Poderão também vir a ser aprovadas as vacinas baseadas na administração da proteína viral spike que demonstraram ser capazes de induzir uma elevada quantidade de anticorpos. Estas vacinas destacam-se por aliarem uma fraca reactogenicidade (são muito bem toleradas e espoletam poucos efeitos secundários), o que as poderá tornar uma excelente alternativa para grávidas e crianças. Há também facilidade no seu transporte e armazenamento, pois só necessitam de refrigeração no frigorífico. Além da Novavax, também a Sanofi desenvolve uma vacina proteica.

Por último, a Johnson & Johnson está a desenvolver uma vacina com base em vectores adenovirais de uma só toma.

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Vacina chinesa a chegar à Indonésia a 6 de Dezembro de 2020

Só quando uma proporção considerável da população (aponta-se para 70%) estiver vacinada é que a utilização de máscara e as medidas de distância interpessoais deixarão de ser necessárias. Neste panorama, quantas mais vacinas eficazes e seguras tivermos à nossa disposição, melhor. Não só porque possibilitarão uma maior quantidade de vacinas e mais-valias de custo e logística, mas também por poderem vir a suprir as necessidades de grupos (grávidas e crianças) e populações específicas.

Imunologista e investigadora principal do Laboratório de Imunobiologia e Patogénese do Centro de Estudos de Doenças Crónicas da Universidade Nova de Lisboa

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