Cancro do pâncreas: importância do diagnóstico em tempo útil

Só por si, a expressão “cancro do pâncreas” causa calafrios e desespero. Mas, na realidade e para sermos precisos, devemos especificar que a sua variabilidade é considerável, abrangendo desde as situações em que há hipóteses de alterar o curso da doença, até àquelas em que não é possível.

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LUSA/LAURENT GILLIERON

O que têm em comum as recordações que guardamos de pessoas como Maria José Nogueira Pinto, Steve Jobs, José Medeiros Ferreira, Luciano Pavarotti, António Borges, Patrick Swayze ou António Feio? É que, além de terem sido seres humanos que se destacaram pela excelência nas suas actividades profissionais e pessoais, todos foram vítimas do cancro do pâncreas. E a luta que travaram contra a doença no final das suas produtivas vidas deve servir-nos como exemplo, a todos nós que contactamos com aquele implacável inimigo colectivo, que nos consome energias, mas por vezes, também, a esperança.

Só por si, a expressão “cancro do pâncreas” causa calafrios e desespero. Mas, na realidade e para sermos precisos, devemos especificar que a sua variabilidade é considerável, abrangendo desde as situações em que há hipóteses de alterar o curso da doença, até àquelas em que não é possível.

Por outro lado, devemos, primeiramente, ter em consideração os casos de sucesso, para que seja possível retirar as conclusões que nos possam conduzir a uma taxa de cura mais elevada. À semelhança dos profissionais de saúde e dos doentes que decidem continuar a lutar contra o cancro do pâncreas e que são um exemplo de força para aqueles que desanimam perante o diagnóstico.

Tal como por todo o mundo, em Portugal a frieza dos números é bastante preocupante: um aumento progressivo na incidência, com cerca de 1400 novos casos diagnosticados anualmente, um aumento anual médio de 3%, duplicando a mortalidade nos últimos 25 anos. Tendo por base a sua evolução recente, estima-se um aumento de 51% do número de mortes anuais por cancro do pâncreas até 2035, em comparação com 2015.

Quais são as armas de que dispomos para combater este terrível inimigo?
A única possibilidade de se alcançar a cura é através da cirurgia, complementada por tratamento oncológico adequado. Mas mesmo assim, os doentes tratados com intuito curativo só sobrevivem globalmente, para além dos 5 anos a partir do diagnóstico, em cerca de 30% a 40% dos casos. Estes números, se bem que modestos, encerram não só um grande esforço da comunidade científica mundial, mas uma melhoria significativa em relação ao passado recente, tanto em eficácia como em segurança para os doentes.

Por onde se deve iniciar o combate a esta doença devastadora?
Tenhamos em consideração o que já conhecemos sobre os seus principais factores de risco evitáveis: o tabagismo, a obesidade e a diabetes. Para além destes, o reconhecimento de grupos populacionais mais expostos a contrair a doença ajuda na precocidade diagnóstica: idade superior a 65 anos, antecedentes familiares oncológicos e antecedentes pessoais de alterações genéticas hereditárias.

O diagnóstico o mais precoce possível é um factor determinante para se alcançar a cura. É fundamental uma ligação aos cuidados de saúde primários, que se encontram capacitados para detectar a doença nas suas fases iniciais, mas também nas suas formas de lesões pré-malignas. Estas últimas constituem uma componente em que se pode, e deve, derrotar a doença antes dela adquirir a agressividade que a caracteriza.

A divulgação dos sintomas e sinais mais precoces do cancro do pâncreas contribui sempre para um diagnóstico em tempo útil e um aumento da percentagem de casos tratados com sucesso: perda de apetite e de peso, coloração amarela da pele e dos olhos, dor abdominal ou lombar, dificuldade em fazer a digestão, alterações das fezes ou diabetes recente. Estes sinais não devem ser desvalorizadas, pelo contrário — são o alerta para a necessidade de procurar um médico. Se é o contexto de pandemia que o prende, deve colocar de lado o receio ou vontade de adiar a ida a uma unidade de saúde. Saiba que estas têm aplicados protocolos e circuitos que permitem a realização de consultas, exames e tratamentos em total segurança.

Outro aspecto decisivo nesta nossa luta oncológica quotidiana é a agilização do circuito do doente diagnosticado com um cancro do pâncreas. O designado estadiamento da doença engloba exames complementares, assentes principalmente em métodos de imagem. A referenciação precoce aos centros reconhecidos oficialmente para o tratamento desta patologia é primordial.

Iniciativas como a do Dia Mundial do Cancro do Pâncreas devem tornar-se um motivo de partilha de experiências entre os doentes, as suas famílias e os seus cuidadores, e a população em geral. Sem alarmismos desnecessários e prejudiciais, estas chamadas de atenção contribuirão para que as instituições de saúde tratem mais e melhor dos nossos doentes.

O esforço colectivo da comunidade científica tem contribuído para novos conhecimentos que permitirão terapêuticas inovadoras para um futuro breve. Exemplos disso são recentes fármacos que actuam em genes alterados nesta doença e que modificarão os resultados globais no sentido da cura mais frequente.

Consultando os artigos científicos mais recentes sobre o cancro do pâncreas, tem-se a convicção de que os últimos cinco anos geraram uma quantidade inédita de informação relevante, que contribuirá, sem dúvida, para um avanço decisivo nesta batalha que temos vindo a perder. Não basta termos progredido sem precedentes na eficácia e na segurança das terapêuticas cirúrgicas e oncológicas, é também preciso conhecermos o nosso corpo, estarmos atentos a sinais de alerta e cumprirmos com rotinas de saúde que nos permitam diagnosticar precocemente: juntos alcançaremos melhores resultados para os nossos doentes, que dignificarão ainda mais a memória daqueles que confiaram as suas vidas nas nossas mãos e que não fomos capazes de salvar.

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