A música no habitat fetal

A origem uterina de uma melodia pode explicar a semelhança das frequências de sons encontradas nos instrumentos musicais e na voz feminina de adulto humano, sendo este facto comum em todas as culturas.

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"A música é reconhecida como factor fundamental na cognição humana, tendo todo o recém-nascido capacidade para a apreciar" Irina Murza/Unsplash

A música é o som do corpo e mente humana num movimento criativo de variados caminhos. A sua função é aumentar a qualidade das experiências individuais e das relações humanas.

Há vários aspectos do desenvolvimento fetal que permitem constatar que os sons no ambiente intra-uterino podem construir memórias futuras em certas áreas cerebrais responsáveis pelas emoções. Tendo em conta estes factos, e a semelhança entre os sons reconhecidos in utero e a construção da música, é possível pensar que o ambiente acústico fetal pode ter uma base semelhante à que encontramos na música, considerando-a como a arte de combinar sons de vozes ou instrumentos que tenham em comum expressões emocionais.

Assim, será possível dizer que toda a música tem uma origem comum e, sobretudo, que o desenvolvimento neurológico do feto permite a absorção e retenção de informação adquirida no ventre materno, criando “gravuras musicais” nas estruturas cerebrais que constituem o sistema límbico. Ora são essas estruturas as principais responsáveis pelas emoções que se projectam na vida desde o nascimento.

Os sons habituais no ambiente fetal são o ritmo cardíaco, a respiração, os passos e a voz materna, sendo possível uma correlação com os aspectos da música de todas as culturas. Assim, a pulsatilidade materna tem semelhanças com o ritmo musical, a voz materna com as notas da música, a gama de frequências da voz com a gama de frequência melódica dos instrumentos.

É difícil utilizar a palavra “beleza” quando nos referimos à música, na medida que consonância ou dissonância são conceitos diferentes nas tradições musicais indígenas, tendo em conta a diversidade cultural dos povos. A melodia apreciada no Ocidente não faz parte da musicalidade que agrada a outros povos, nomeadamente africanos ou asiáticos.

O feto humano inicia a audição às 24 semanas da gravidez, permitindo quatro meses de exposição constante aos sons, antes do nascimento. Interessante é constatar que a voz e ritmo cardíaco materno são recebidos com uma intensidade quatro vezes superior à que seria ouvida em ambiente exterior.

O tambor é um exemplo de um instrumento que foi inventado e adaptado em todas as culturas, sendo a amplitude de som do seu batimento semelhante à pulsatilidade ouvida in utero. Não se pense possível substituir o batimento no tambor pelo ruído produzido pelo bater de um objecto numa mesa, o efeito será sempre diferente, porque é no tambor que todos “reconhecemos” a frequência do som semelhante à que nos habituamos a ouvir nos quatro meses antes do nascimento.

A música é muitas vezes tocada no ritmo semelhante ao andar, sendo razoável pensar na conexão que existe com sensações sonoras dos passos maternos durante a vida fetal. Também, a voz materna ouvida pelo feto, é a base de melodias e sequência de notas musicais. As alterações de frequência criadas pelas cordas vocais da mãe são distintas e intensamente perceptíveis no ambiente fetal, sendo uma simples frase com discretas variações de frequência entendida com contornos e ritmos melódicos. A evidência da aprendizagem fetal da voz materna melódica, explica o choro do recém-nascido que mimetiza os contornos da linguagem materna.

A origem uterina de uma melodia pode explicar a semelhança das frequências de sons encontradas nos instrumentos musicais e na voz feminina de adulto humano, sendo este facto comum em todas as culturas.

Em conclusão, parece evidente existir uma correlação entre os sons perceptíveis no ambiente intra-uterino e os elementos musicais encontrados em diferentes ambientes culturais, sendo relevante considerar que a qualidade da música é construída pela relação dos sons do corpo e da mente humana. Da musicalidade inata nascem as diferentes formas musicais das variadas culturas, sendo interessante considerar que os recém-nascidos estão prontos para uma invenção cultural humana que se assemelha à dos pássaros que, quando nascem, estão aptos para voar. As crianças na primeira infância não têm linguagem para aprender o que os mais velhos sabem, mas nascem com uma musicalidade comunicativa espontânea, coordenada e adaptada ao diálogo possível. Acresce que a música é reconhecida como factor fundamental na cognição humana, tendo todo o recém-nascido capacidade para a apreciar.

Separar a criança da mãe, após o nascimento, pode ter efeitos devastadores, contrariando toda a experiência adquirida na vida fetal, contribuindo para a interrupção do normal curso do desenvolvimento humano.

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