O dia em que os moderados saíram à rua

Os moderados, os verdadeiros, os que se importam com o seu futuro, o das suas famílias, e com o bem comum, devem sair à rua. Como o fizeram, uma vez mais, os americanos.

A grande clivagem nos dias de hoje não é entre esquerda e direita, é entre moderados e radicais. Os moderados são os que defendem a dignidade da pessoa humana, os direitos humanos, a democracia, a economia de mercado, a globalização regulada, as migrações, o combate às alterações climáticas, o património comum da humanidade. Os radicais são os populistas, os que distinguem direitos com base em privilégios, na raça, na origem nacional, são proteccionistas, fechados, unilaterais, querem a destruição da economia de mercado e da globalização.

Estas posições tornaram-se inconciliáveis, muito por acção das redes sociais.

O espaço público e o debate político tornaram-se uma trincheira, com acusações de parte a parte. Estas tribos já não discutem, não se ouvem, não trocam argumentos, já só gritam, mas aos ouvidos uns dos outros, dentro da mesma tribo, porque o som não chega ao outro lado.

O espaço público foi ocupado por esta gente, pouco importa se de esquerda, ou de direita. Quem mais grita, mais espaço tem. Quem mais mente, mais atenção atrai.

Foi assim no “Brexit”, na eleição de Trump, em 2016, de Bolsonaro, e em vários países europeus.

As eleições americanas corriam o risco de se tornar no mesmo exercício. Trump preparou as suas baterias para se digladiar com alguém mais radical – como Ocasio-Cortez ou Bernie Sanders – para utilizar a mesma receita que lhe valeu a eleição em 2016.

Mas enganou-se, saiu-lhe ao caminho um moderado, com uma história de vida sofrida, com quase 50 anos de experiência politica, com 3 eleições presidenciais e dois mandatos como vice-presidente. Que não perdeu a paciência nem a compostura, numa resiliência adquirida ao longo de muitas décadas. Nada em Biden é paixão. Não mobiliza, mas também não irrita.

E, contudo, foi o candidato que mais votos conseguiu na história de uma eleição presidencial americana. Seguindo-se-lhe Donald Trump, nesta mesma eleição. Isto significa que os radicais saíram à rua – ou ao correio – para votar. Mas os moderados também, e em muito maior número.

Que os moderados eram mais que os radicais, já sabíamos. Mas que eram capazes de sair à rua é a novidade desta eleição.

Na Europa não é diferente. O fenómeno populista conheceu um rápido crescimento, favorecido pelo afastamento dos moderados da politica, bem visível nas dificuldades de recrutamento de pessoal político pelos partidos existentes, pela implosão ou desagregação do sistema partidário ao centro, pela subida em flecha da abstenção, e pela conquista de representação parlamentar e, nalguns casos, de poder por líderes e partidos populistas.

Também aqui os moderados têm de sair à rua.

Esta semana, em Portugal, um conjunto de personalidades, que admiro, vieram declarar-se – declaração que não teria hesitação em subscrever – moderados, recusando legitimar ou aceitar na acção política os radicais.

Seria bom que os moderados não apenas aplaudissem este gesto, mas também o seguissem. E isso tem consequências, não apenas para os que publicaram a declaração como para todos os que entendam segui-la: significa que estão disponíveis para deixar o confortável espaço a que se acantonaram e a vir ocupar o espaço público que foi deixado aos radicais.

Esta consequência não é fácil de suportar. O exemplo de Biden, apesar de bem sucedido, não é encorajador. Basta lembrar os penosos debates televisivos e as reiteradas acusações pessoais, incluindo à sua família.

Mas, no final, o que está em causa é a sociedade que queremos ter. Se um espaço decente, de liberdades e direitos, se um espaço onde impera a mentira e o insulto.

A política tornou-se – ou sempre foi – um assunto demasiado importante para merecer o nosso alheamento. Por isso os moderados, os verdadeiros, os que se importam com o seu futuro, o das suas famílias, e com o bem comum, devem sair à rua. Como o fizeram, uma vez mais, os americanos.

Sugerir correcção