Caro fã do Chega: até o partido de Trump diz que não há fraude

Houve fraude nas eleições americanas? Os amigos de Donald Trump encontraram 15 votos falsos. Não acredita? Veja no site do partido do Presidente.

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A Internet está cheia de portugueses a defender que Donald Trump ganhou as eleições, que os democratas “roubaram” a vitória e que houve “fraude”. Muitos deles são fãs e militantes do partido Chega.

A ligação entre os dois é evidente. Quem se apresenta com autocolantes e cartazes do Chega, diz que houve fraude. Haverá excepções, claro, mas o padrão parece ser este: os fãs de André Ventura andam de braço dado com os fãs de Trump. Por isso, hoje, o coffee break é para eles.

Caro fã do Chega: até os líderes e militantes do Partido Republicano dizem que não há sinais de fraude nas eleições de 3 de Novembro.

Duvide dos vídeos que lhe enviam por Facebook, Instagram e WhatsApp, duvide das newsletters de comentadores do YouTube. Procure outras fontes, outros jornais, outras televisões. Não veja a MSNBC, nem a CNN. Se não acredita nisto, veja a Fox News, televisão de direita, conservadora, que há anos defende Trump com unhas e dentes.

Como os algoritmos só lhe mostram ideias parecidas com as suas, poderá ter-lhe escapado o que muitas pessoas do partido de Trump disseram nas últimas horas. Uma ajuda: disseram que as eleições foram transparentes, correctas e justas.

Os democratas ficaram chateados quando Hillary Clinton perdeu em 2016 e ainda mais quando Al Gore perdeu em 2000. Agora, é a sua vez de estar chateado. Ninguém gosta de perder.

Mas já passaram dez dias desde as eleições e não apareceram provas de fraude. Houve problemas, como há em todas as eleições, mas os números astronómicos atirados para o ar sobre “milhares” de votos perdidos, “milhares” de votos encontrados no lixo, “milhares” de votos prontos a serem queimados, “milhares” de votos trocados e falsificados são uma mão cheia de nada — ou uma mão cheia de fúria e mau perder.

Há uns anos, um partido português foi acusado de ter oferecido bebidas alcoólicas à porta das urnas, quando os eleitores se preparavam para votar. A queixa foi feita ao delegado da Comissão Nacional de Eleições da Madeira. Em todas as eleições, há problemas na escola A da cidade B ou na junta de freguesia C da vila D. Há sempre irregularidades pontuais, que a democracia corrige.

Deixou de gostar da Fox? Veja o site do Partido Republicano. O mais concreto que encontrará sobre fraude é um vídeo do senador Lindsey Graham. Que provas tem? “Sabemos que, na Pensilvânia, 100 eleitores estão mortos, 15 deles votaram e, desses, seis registaram-se para votar depois de terem morrido.” Num estado onde foram contados 6,7 milhões de votos, um amigo de Trump diz que há 15 votos irregulares. É essa a prova da fraude destas eleições? Se não é, porque é que o senador não apresenta outras melhores? Nas redes, vejo que os fãs do Chega partilham vídeos e cartazes que dizem que 941 mil votos desapareceram na Pensilvânia e que “mil pessoas testemunharam, sob juramento”, sobre fraude. Onde estão as mil pessoas? Onde estão os factos? Porque é que o site do partido de Trump só fala em 100 eleitores e 15 votos irregulares?

Caro leitor: Al Schmidt, responsável pela operação de contagem de votos da maior cidade da Pensilvânia, Filadélfia, disse que os técnicos eleitorais verificaram todos os nomes desses supostos mortos que teriam votado e concluíram que a acusação é falsa. E não: Schmidt não é nem democrata, nem comunista, nem anarquista. É do Partido Republicano.

Ao longo dos últimos dias, o New York Times telefonou às comissões eleitorais de todos os estados americanos e concluiu: “Não há provas de fraude eleitoral.” Alguns responsáveis “descreveram pequenos problemas comuns a todas as eleições: alguns casos de votação ilegal ou dupla, algumas falhas técnicas e alguns pequenos erros matemáticos”. Mas ninguém, nem democratas, nem republicanos, diz que há fraude. O jornal cita Frank LaRose, secretário de Estado do Ohio e republicano: “Há uma grande capacidade humana para inventar coisas que não são verdadeiras sobre eleições. As teorias de conspiração e os rumores e todas essas coisas andam à solta. As eleições geram esse tipo de mitos.”

Se tem dúvidas sobre a diferença entre fraude e irregularidades, pense no nascimento do Chega. “Muitas centenas de assinaturas” recolhidas para legalizar o partido eram “inválidas”. Foi o próprio Ventura quem o disse. Eram assinaturas de menores e de polícias — duas coisas que a lei proíbe. Seria ridículo dizer que o Chega é batoteiro por causa disso.

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