Marcelo e as presidenciais

É por estas razões que, sem beliscar em nada a minha condição de socialista, não tenho dúvidas sobre o sentido do meu voto nas próximas eleições presidenciais.

Um Presidente da República tem sempre o dever de exercer o seu mandato de forma supra-partidária, para todos os portugueses, respeitando as opções do Governo e do Parlamento, no limite dos poderes que a Constituição lhe confere. Tem também o dever de garantir a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições, ou seja, de ser um fator de estabilidade política e de coesão nacional, o que é absolutamente essencial para conferir tranquilidade ao quotidiano dos cidadãos.

A incerteza que os portugueses hoje vivem quanto ao futuro, num quadro político em que os partidos estão cada vez mais fragmentados e radicalizados nas suas diferenças, em que os entendimentos e os consensos são mais difíceis, devem ser fatores de ponderação na escolha do próximo Presidente, para que o país possa enfrentar melhor a profunda crise económica e social que estamos a viver, derivada da maior crise pandémica dos últimos 100 anos.

Em democracia, a humildade política e a capacidade para reconhecer o bom desempenho dos outros é um dos maiores bens e a via mais curta para alcançar consensos e formas de cooperação institucional, para que as pessoas possam ter uma vida mais tranquila e um futuro mais previsível. A política não deve apenas ser feita de crispação e divergências, nem tão pouco é uma desonra convergir com outros espaços políticos democráticos.

Perante uma conjuntura em que o atual Presidente se impõe pela qualidade do seu mandato e surgiram, entretanto, várias candidaturas à esquerda, incluindo uma da área socialista, é muito importante que a direção do PS tenha deliberado dar liberdade de voto aos seus militantes, para evitar dilemas morais em quem pretenda ter a sua opção própria.

E este posicionamento é particularmente relevante num contexto em que muitos socialistas vêem em Marcelo um garante da estabilidade política, da defesa dos valores da República e da boa projeção internacional do país nas várias dimensões que estruturam a política externa portuguesa, na sua condição de europeísta profundo, de defensor intransigente da ligação com África e com o universo da lusofonia, da relação transatlântica e da valorização das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo.

Independentemente de um mandato marcado por uma hiperatividade e por uma dimensão afetiva rara em política, que é, aliás, o que leva portugueses de muitas origens políticas e sociais a apreciá-lo, o mais é importante é que nada disso prejudicou o essencial, que tem sido a saudável cooperação com os órgãos de soberania. Ou seja, o seu estilo muito próprio nunca o coibiu de aprovar o que é para aprovar, de pedir correções ou fazer reparos às leis que lhe suscitam dúvidas, de deixar alertas necessários para recuperar equilíbrios ou criticar com a mesma facilidade e bom senso com que faz elogios.

O Presidente Marcelo tem demonstrado prezar a estabilidade política, não certamente por gostar do PS, mas talvez por considerar que as crises muitas vezes são mais artificiais do que absolutamente necessárias, acabando invariavelmente por fazer mais mal do que bem ao país e por ser uma fonte de desilusão para os eleitores, quantas vezes abrindo assim caminho a forças extremistas.

Nunca será demais lembrar que era ele o presidente do PSD entre 1996 e 1999 quando, pela primeira vez, um governo com o apoio minoritário no Parlamento de apenas 112 deputados conseguiu, mesmo assim, chegar ao fim do mandato, era então primeiro-ministro António Guterres.

Marcelo é um homem popular, mas isso não significa que seja um populista. É um humanista, profundamente democrata, que gosta das pessoas e procura estar próximo delas, como todos os políticos deviam estar, para perceberem o que pensam e sentem, o que é a melhor maneira de resolver os seus problemas, valorizar a política e eliminar a distância entre eleitos e eleitores.

Enquanto Presidente da República, tem puxado pelo orgulho nacional e pela autoestima dos portugueses, algo de absolutamente essencial num país e num povo que, apesar do seu imenso potencial e da riqueza do seu legado histórico, cultural e humano, ainda não se libertou totalmente dos complexos de inferioridade, do excesso de timidez, do medo de existir, como diria o filósofo José Gil.

E na área das Comunidades Portuguesas, um domínio absolutamente fundamental da nossa dimensão externa, mas também interna, Marcelo tem sido inexcedível. Apesar de o PS já ter tido Presidentes extraordinários, como Mário Soares e Jorge Sampaio, Marcelo compreende a importância de puxar pelo orgulho daqueles que tiveram de emigrar, de reconhecer o seu valor que muitas vezes a distância faz esquecer, sabe bem o que para ele significa serem ouvidos e dar-lhes atenção.

No estrangeiro, o Presidente é um estadista prestigiado, que tem dado do país uma imagem de modernidade, de progresso e tolerância, que apenas pela sua atitude e personalidade tem feito mais para promover Portugal, a sua história, a sua cultura e o seu povo, do que qualquer campanha publicitária alguma vez conseguirá.

É por isso que, sem beliscar em nada a minha condição de socialista, não tenho dúvidas sobre o sentido do meu voto nas próximas eleições presidenciais.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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