Europa reage com satisfação e alívio ao fim da era Trump (e sem o mencionar)

Os líderes, concertados, mencionam a participação recorde nas eleições nos EUA, usam a palavra “emoção” para comentar a vitória de Biden e reforçam que UE e EUA são “amigos e aliados”. “A amizade transatlântica é insubstituível”.

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Ursula von der Leyen e Charles Michel Reuters

Os líderes europeus combinaram fazer um breve compasso de espera antes de dirigir aos futuros Presidente e vice-presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden e Kamala Harris, mensagens “calorosas” e “emocionadas” de parabéns por uma vitória eleitoral histórica que o actual ocupante da Casa Branca ainda não reconheceu e promete contestar.

Em nome da União Europeia, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, reagiu aos “últimos desenvolvimentos do processo eleitoral dos Estados Unidos”, saudando a “participação recorde” na votação e assinalando o facto de as projecções atribuírem aos candidatos do Partido Democrata o número necessário de votos do Colégio Eleitoral para garantir a vitória. 

“Nessa base, congratulamos o Presidente eleito, Joe Biden, e a vice-presidente eleita, Kamala Harris”, escreveu Michel, acrescentando que os europeus continuariam a “acompanhar o processo de certificação dos votos, confiantes de que o sistema eleitoral dos Estados Unidos anunciará em breve os resultados definitivos”.

Talvez por se pronunciar em nome dos 27 chefes de Estado e governo da União Europeia, entre os quais o esloveno Janez Jansa, que na quarta-feira se precipitou a elogiar Donald Trump pela sua reeleição, a mensagem assinada por Charles Michel foi notoriamente mais cautelosa e menos efusiva do que aquelas que foram publicadas, exactamente à mesma hora, pela presidente da Comissão Europeia, a chanceler da Alemanha ou o Presidente francês.

Segundo uma fonte europeia, os líderes estiveram nos últimos dias em contacto para articular a sua reacção para quando fosse anunciado o resultado das eleições nos EUA. Bruxelas e as capitais projectaram diferentes cenários, e combinaram comunicar em simultâneo, com mensagens concertadas de parabéns aos vencedores e de respeito pelo processo eleitoral norte-americano. 

“Ofereço os mais calorosos parabéns a Joe Biden pela sua vitória eleitoral e espero ter a oportunidade de me reunir com ele tão brevemente quanto possível”, disse a líder do executivo europeu, Ursula von der Leyen, que como tantos outros governantes europeus salientou a importância da relação transatlântica e o vínculo especial entre a União Europeia e os Estados Unidos. “Somos amigos e aliados, e os nossos cidadãos partilham mais profunda das ligações”, apontou.

Para Von der Leyen, essa ligação assume particular importância no actual momento em que o mundo se confronta com profundas mudanças e desafios difíceis, mas também oportunidades. E por isso, assegura, a Comissão Europeia “está preparada para intensificar a sua cooperação com a nova Administração e o novo Congresso” dos Estados Unidos, em matérias como o combate à pandemia de Covid-19 e as suas consequências económicas e sociais, a luta contra o aquecimento global e a reforma do sistema multilateral. 

“A amizade transatlântica é insubstituível para ultrapassar os grandes desafios com que nos confrontamos”, declarou a chanceler alemã, Angela Merkel, que como Von der Leyen salientou a importância da futura cooperação com a futura Administração Biden. “Temos muito que fazer, vamos agir juntos”, repetiu o Presidente de França, Emmanuel Macron.

Num comunicado oficial e uma mensagem em italiano publicada no Twitter, o presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, desejou as “maiores felicidades” ao Presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, que considerou “um grande parceiro da União Europeia e um aliado com quem temos uma longa ligação e com quem queremos continuar a trabalhar”.

“Com esta pandemia de Ccovid-19, e pela primeira vez, a Europa e os Estados Unidos responderam a um desafio global sem uma visão comum. E isso tornou a nossa resposta mais frágil”, lamentou, defendendo o relançamento da aliança transatlântica, desprezada por Donald Trump.

Também o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, destacou a importância desse relacionamento, e prometeu colaborar de perto com a futura Administração Biden para “fortalecer ainda mais a ligação entre a América do Norte e a Europa”. “A liderança dos EUA é mais importante do que nunca neste mundo imprevisível em que vivemos”, considerou Stoltenberg, que por diversas vezes teve de aplacar as fúrias de Donald Trump, que durante uma cimeira em Bruxelas chegou a ameaçar retirar o seu país da aliança.

“Uma Nato forte é boa para a América do Norte e é boa para a Europa”, insistiu Stoltenberg, lembrando que os aliados representam metade do poder económico e militar mundial. “Esta força colectiva é necessária para enfrentar desafios como uma Rússia cada vez mais assertiva, o terrorismo internacional, as ameaças cibernéticas e balísticas e o desvio do eixo do poder global com a ascensão da China”, enumerou.

Nenhuma das mensagens dos líderes europeus faz referência ao Presidente Donald Trump, às suas alegações, que até agora carecem de sustentação, de irregularidades na votação e na contagem dos votos, e à sua intenção de contestar os resultados nos tribunais. Mas nas entrelinhas, a satisfação com o fim da instabilidade e tumulto da era Trump, era fácil de perceber.

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