Arroios entregou gestão dos jardins a várias empresas com os mesmos donos

Tribunal de Contas detectou ilegalidades e eleitos podem vir a ser responsabilizados. Em 2015 e 2016, autarquia fugiu aos concursos públicos e fez ajustes directos com empresas que pertenciam às mesmas pessoas.

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Margarida Martins, autarca de Arroios, pode vir a ser multada pelos contratos que celebrou Mario Lopes Pereira

Em Junho de 2016, tal como já fizera no ano anterior, a Junta de Freguesia de Arroios decidiu dividir os seus espaços verdes por dois lotes, evitando a necessidade de um concurso público, e celebrar dois contratos directos para a sua manutenção. Quatro empresas foram convidadas a apresentar propostas. Três delas pertencem à mesma família. Ambos os contratos acabaram por lhes ser adjudicados.

O Tribunal de Contas encontrou recentemente ilegalidades nos procedimentos de contratação pública da Junta de Arroios (PS), ao considerar que esta autarquia criou dois lotes de espaços verdes para que os valores dos contratos não obrigassem ao lançamento de concursos públicos e pudessem ser feitos por ajuste directo. Os juízes também referem que nos anos de 2015 e 2016, apesar de terem sido contratadas três empresas diferentes, elas têm os mesmos sócios, que são familiares entre si.

Documentos a que o PÚBLICO teve acesso mostram que o executivo liderado por Margarida Martins lançou em Junho de 2016 uma consulta ao mercado para a manutenção dos espaços verdes em que três das quatro empresas convidadas a apresentar propostas pertencem à mesma família. Em 2015, uma delas tinha sido a única convidada num dos lotes, enquanto outra empresa, também da mesma família, ganhou o contrato para o outro lote.

O PÚBLICO remeteu várias perguntas sobre o assunto à Junta de Arroios, procurando perceber porque não optou pela realização de concursos públicos, que critérios foram usados para a escolha das empresas a convidar e porque é que foram convidadas empresas com os mesmos sócios e órgãos sociais.

A junta optou por não dar esclarecimentos: “As questões referidas, que se reportam aos executivos anteriores [também liderados por Margarida Martins], foram objecto de criterioso escrutínio pelo Tribunal de Contas, cujo relatório de auditoria está disponível para consulta pública no site do tribunal e foi remetido pelo executivo, dois dias após a sua recepção, a todos os membros da Assembleia de Freguesia de Arroios, encontrando-se todos os factos ali apreciados remetidos ao Ministério Público, pelo que a freguesia de Arroios nada tem a comentar.”

Em causa estão contratos com as empresas Momentos Floridos, Lx Garden e Alfaia Verde, cujos proprietários são a família Alho, que tem ainda outras empresas na área da manutenção de espaços verdes e empreitadas de obras públicas. O PÚBLICO tentou chegar à fala com Fernando Alho, sócio-gerente das firmas, mas não conseguiu. Estas e outras empresas da família têm contratos com várias juntas de freguesia da cidade (tanto do PS como do PSD), com a Câmara de Lisboa e com outros municípios.

Em Julho de 2015, a Junta de Arroios contratou a Lx Garden para fazer a manutenção dos espaços verdes no território das antigas freguesias da Pena e dos Anjos (lote 1) por 68.820 euros, a pagar em prestações mensais de 5735 euros durante o ano seguinte. Exactamente no mesmo dia foi contratada a Alfaia Verde, por 68.910 euros, para manter os espaços verdes do lote 2, correspondente ao território da antiga freguesia de São Jorge de Arroios.

Um ano depois, a Alfaia Verde voltou a ser contratada para o lote 2, por 68.880 euros, enquanto o lote 1 foi entregue à Momentos Floridos por 69.300 euros, após uma consulta prévia em que foi convidada a apresentar proposta mais uma empresa da mesma família e uma firma sediada em Beja, a Trevo.

No ano seguinte, em Junho de 2017, para cada lote apenas uma empresa foi convidada a apresentar propostas. Para o lote 1 convidou-se a Oriana – Plantas do Sul, enquanto para o lote 2 convidou-se a Trevo. Ambas são de Beja e têm como sócio-gerente António Montes, que foi quem assinou os dois contratos, um mês depois. Quando o PÚBLICO contactou a Trevo para obter esclarecimentos de Montes, a empresa remeteu-os para João Alho, que é um dos sócios da Momentos Floridos, da Lx Garden e da Alfaia Verde, embora tenha ficado por esclarecer qual a sua relação com a Trevo e a Oriana. Contactado, João Alho não quis fazer declarações.

Apesar de não ter respondido às perguntas do PÚBLICO, a Junta de Arroios já argumentou, em resposta a dúvidas que também lhe foram dirigidas pela Inspecção-Geral de Finanças, que “desconhece” e não tem “qualquer obrigação de conhecer, quaisquer relações de parentesco entre os membros dos órgãos sociais das entidades adjudicatárias, sendo certo que não resulta qualquer favorecimento dos procedimentos de contratação a nenhuma das empresas.”

Ao constatar que as empresas contratadas “têm os mesmos representantes legais e/ou são familiares e sócios de mais que uma das empresas em causa” e que a junta “celebrou os dois contratos, em cada ano, no mesmo dia”, demonstrando assim “que as necessidades já existiam”, o Tribunal de Contas concluiu que o executivo de Margarida Martins quis “contornar a lei, fugindo a um procedimento mais solene” – o concurso público.

A auditoria seguiu para o Ministério Público, que terá de decidir se aplica multas à presidente e aos vogais que aprovaram estas decisões.

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