Paulo Praça celebra Vila do Conde num disco-livro que é também um filme

O cantor e compositor celebra a sua cidade natal num disco-livro, Onde, com prefácio de Valter Hugo Mãe e colaborações especiais de Fausto Bordalo Dias e José Cid.

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Paulo Praça CESÁRIO ALVES

Chama-se Onde e rima com a cidade que lhe serviu de mote: Vila do Conde. É um disco e também um livro, um ensaio musical e poético, mas também um ensaio fotográfico, num cruzamento de memórias: as da cidade, as da poesia e as dos intervenientes, entre músicos, poetas e fotógrafos. Quarto trabalho discográfico a solo de Paulo Praça, depois de Disco de Cabeceira (2007), Dobro dos Sentidos (2010) e Um Lugar Para Ficar (2019), Onde tem canções feitas a partir de poemas de José Régio, Ruy Belo e Valter Hugo Mãe, mas também de Jorge Cruz, Renato Maia, Simão Praça, Artur Cunha Araújo, José Coutinhas e do próprio Paulo Praça. Conta com a participação especial de Fausto Bordalo Dias e de José Cid e tem uma “embalagem” distinta: um livro de capa dura, com prefácio de Valter Hugo Mãe (poeta também ligado a Vila do Conde) e “um ensaio fotográfico de Cesário Alves”.

Nova Iorque e Régio

Nascido em Vila do Conde, em 18 de Outubro de 1971, Paulo Praça foi fundador dos grupos TurboJunkie, Grace e Plaza, integrou o projecto Amália Hoje, junto com Nuno Gonçalves, Sónia Tavares (ambos dos The Gift) e Fernando Ribeiro (dos Moonspell), e colaborou com Pedro Abrunhosa e grupos como 3 Tristes Tigres, GNR ou The Gift. A ideia que conduziu a este novo disco surgiu nos EUA, como conta Paulo Praça ao PÚBLICO:

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Capa do disco-livro Onde

“Começa, curiosamente, num quarto de hotel em Nova Iorque, em 2017, quando componho o refrão do Romance de Vila do Conde. E sendo o Régio uma referência já antiga: lá em casa sempre houve livros dele. Essa era a premissa. A partir daí, fui para estúdio, fechei essa canção e começou a ganhar forma a ideia de fazer um disco em que, de alguma forma, os poemas que tinham sido escritos sobre a cidade me inspirassem.” A este primeiro passo, seguiram-se dois ou três meses de pesquisa. “Fui ver quais os poemas que fazia sentido musicar. E aí cheguei ao do Ruy Belo (Portugal sacro-profano), ao do José Coutinhas (Saudades de aqui), ao do Renato Maia (Vila do Conde). Entretanto, o Valter Hugo Mãe já tinha escrito o Vila do Conde, Vila do Conde, e tenho duas encomendas: A minha terra, que encomendei ao meu irmão Simão [Praça], e À beira-mar, que pedi ao Jorge Cruz.”

Isto além da voz do próprio José Régio, em dois poemas seus registados no disco José Régio por José Régio, editado nos 25 anos da morte do poeta (1994) mas com um envolvimento musical criado por Paulo Praça. Os poemas são Jogo de espelhos e Cântico negro. “Este disco é inspirado na poesia, mas também fiz uma viagem no tempo até a uma salinha muito pequena lá em casa dos meus pais onde nós ouvíamos música. Tínhamos esse hábito maravilhoso, e cada um punha um disco à sua escolha. Como eu era o mais novo de quatro irmãos, muitas vezes era com a ajuda deles que eu colocava os meus discos. Foi assim que herdei do meu pai a influência dos românticos franceses e italianos, da minha mãe a Amália, dos meus irmãos mais velhos os Pink Floyd ou os Beatles. E um dia, tinha eu dez anos, chega lá a casa o Por Este Rio Acima do Fausto. Pu-lo a rodar, aquilo entrou e nunca mais saiu.”

De Fausto a José Cid

Anos depois, começou a pensar que gostaria de fazer alguma coisa com ele, embora sempre achasse que era “um sonho impossível”. Mas quando compôs a canção Romance de Vila do Conde, instintivamente, a sonoridade dele estava lá. “Para mim, o Fausto é o músico que melhor sintetizou o que há de mais autêntico na nossa cultura tradicional. E depois de compor essa canção, quis perseguir o sonho de poder gravar com ele.” E concretizou-o. Primeiro enviou-lhe um e-mail com a canção, composta a partir de um poema de José Régio. “Falei-lhe um bocadinho da minha história, das minhas origens, e perguntei se não queria gravar comigo. Esperei uns dois meses. O ‘não’, para mim, estava sempre garantido. Mas quando ele me respondeu, a confirmar que aceitava, confesso que chorei de alegria.” E assim gravaram.

A participação de José Cid, outra voz que “faz parte da memória colectiva do país”, não se deveu a um disco-surpresa, como a de Fausto. “Não precisei de um disco, porque ele entrava pela nossa casa dentro, bastava ligar a televisão e ele lá estava. Nós já nos conhecíamos há alguns anos, e agora no Festival da Canção [Paulo Praça foi um dos convidados a participar com uma canção] voltámos a falar. Mais tarde enviei-lhe o meu disco Um Lugar Para Ficar e a partir daí ficou a vontade de colaborarmos.”

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Paulo Praça em Mogofores, onde gravou com José Cid CESÁRIO ALVES

E essa colaboração acabou por concretizar-se no tema Amor num acordeão, letra e música de Paulo Praça. “Fala de um dia na minha infância, é de algum modo identitária e autobiográfica. É onde eu tenho a ‘costela’ Beatle mais definida e achei que o José Cid era ideal para entrar aqui. Ainda por cima canta um dos momentos da canção de que eu mais gosto, e que fala de quando eu ia para a Escola dos Correios ouvir a minha professora e no regresso a casa só queria brincar, mas sabia que me esperava o terço para rezar. Porque eu tive uma educação profundamente católica.”

Fotografias e um filme

Das canções ao livro, foi um passo. Onde poesia acabou por rimar (no tempo) com fotografia: “Como queria dar relevo à poesia, achei que fazia sentido fazer um livro. E como sou também um amante da fotografia e tenho um grande amigo que é o Cesário Alves, que já me acompanha desde os tempos dos TurboJunkie, lancei-lhe esse desafio e, entre idas ao Centro de Memória de Vila do Conde, organizado em parte por ele, e um lado mais experimental que fomos fazer à Casa de José Régio, partimos para este ensaio fotográfico.”

Que não ficou por ali, pois há ainda um videodisco com outro ensaio, visual e sonoro, feito por Paulo Pinto a partir do registo documental de todo este processo. Há um teaser no Vimeo, acessível no endereço vimeo.com/paulopinto/onde, mas o filme completo (que só foi exibido uma única vez, em Vila do Conde, no dia 27 de Setembro) vai ser apresentado em concertos. Há um agendado para 12 de Dezembro, também em Vila do Conde, onde o filme não será projectado (porque já foi), mas a ideia é, diz Paulo Praça, apresentar o disco em formato de filme-concerto em teatros e auditórios pelo país, ou mesmo fora dele, até Junho de 2021.

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