Semibreve: a música electrónica celebra-se em Braga com uma edição “à prova de covid”

Festival reinventa-se perante pandemia e aposta num formato híbrido, equilibrando a dimensão física com o streaming. Com os concertos tradicionais fora do baralho, artistas gravaram peças sonoras especificamente para o Mosteiro de Tibães e filmaram actuações que serão exibidas durante o fim-de-semana.

Foto
Laurel Halo fez uma residência artística em Mire de Tibães e filmou uma performance sem público que será exibida no festival Philip Aumann

Num ano em que celebra o décimo aniversário, o festival bracarense Semibreve, voltado para a música electrónica e a arte digital, queria montar um programa “especial”. “Estávamos a idealizar uma lógica que repescava alguns dos momentos mais marcantes das edições anteriores”, conta ao PÚBLICO via Zoom o director artístico, Luís Fernandes. A pandemia colocou a equipa que orienta a “trabalhar em contra-relógio”, adiando o plano inicial para 2021 e redesenhando em tempo recorde um formato que, observa Miguel Pedro, também ele da organização, “acaba por ser tão ou mais especial”. Este fim-de-semana, o festival apresentará uma edição mista, que aposta no digital sem desistir do físico e substitui com “engenho” os concertos tradicionais, confiando num versátil leque de lendas da música contemporânea e “estrelas” em ascensão.

Sem actuações propriamente ditas — e, como tal, sem necessidade de recorrer a “salas de espectáculos com determinadas condições técnicas” —, o Semibreve encontrou uma casa no Mosteiro de Tibães, que acolherá momentos musicais, instalações audiovisuais, workshops lúdicos para famílias e conversas sobre o estado da música perante a ameaça do novo coronavírus. À distância, Ana da Silva, fundadora das Raincoats — uma das bandas preferidas de um tal de Kurt Cobain —, Beatriz Ferreyra, compositora argentina de 83 anos, Jessica Ekomane, o músico e produtor Jim O’Rourke, que sabe colocar o rock alternativo e a música concreta em diálogo como poucos, a jovem canadiana Kara-Lis Coverdale, Keith Fullerton Whitman e Tyondai Braxton — filho do multi-instrumentista Anthony Braxton, importante nome do jazz improvisacional norte-americano — gravaram peças sonoras especialmente encomendadas para a ocasião. Estas apenas estarão disponíveis para audição durante este fim-de-semana, sendo que serão reproduzidas a horas específicas no site do festival e, presencialmente, passarão em loop nas diferentes salas do Mosteiro de Tibães.

Foto
Kara-Lis Coverdale escreveu um poema que será projectado durante o momento de reprodução da sua peça sonora Myran Elian

“Pusemo-nos no papel do visitante, o que foi fácil de fazer dado que somos entusiastas do nosso próprio festival. O que quereríamos ver num ano em que muitas coisas não podem acontecer da forma a que estamos habituados?”, explica Luís Fernandes. “Não éramos fãs do modelo mais óbvio, ou seja, da transmissão em streaming de concertos gravados. Mais do que ver uma actuação, eu gostava muito mais de me sentar e de ouvir uma peça do Jim O’Rourke feita de propósito para aquela ocasião. Tivemos muitas discussões sobre como podíamos fazer isto acontecer de uma forma inteligente.”

O Semibreve apostou também num programa de residências artísticas, que a organização assumiu desde o início como “o calcanhar de Aquiles” desta edição reformulada. “Se os artistas não pudessem voar, tínhamos de cancelar essa parte do programa. Felizmente, não tivemos nenhum sobressalto.” Klara Lewis, Laurel Halo, Nik Void, Oliver Coates e o artista visual português Pedro Maia desenvolveram trabalhos em Mire de Tibães assumindo o conceito de “reclusão” como ponto de partida. Os resultados, pelo menos para Klara, Laurel e Oliver, serão exibidos, tanto presencialmente como no site, via performances previamente filmadas, sem público. O Canal 180 gravou estas três demonstrações, a que se juntará uma quarta, do músico Gustavo Costa.

Uma questão física “muito controlada”

Os dois dias terão, às 15h e às 17h, conversas sobre questões da indústria musical que terão de ser repensadas devido à covid-19. Nik Void, Alain Mongeau, do festival MUTEK, Pedro Santos e Gonçalo Frota, colaborador do PÚBLICO, reflectirão sobre um mundo pós-clubbing e as implicações da pandemia na componente performativa da música electrónica (sábado, 17h), enquanto José Moura, das editoras Príncipe e Holuzam, Mike Harding, Nkisi e Isilda Sanches, locutora e programadora na Antena 3, discutirão aquele que poderá vir a ser o pensamento editorial das gravadoras daqui para a frente (domingo, 17h).

Restam as instalações artísticas que o Semibreve apresentará com a empresa portuguesa EDIGMA e os workshops que, nas duas manhãs, ensinarão a pais e pequenos noções básicas da música electroacústica. Nestas sessões, que representam a primeira parceria entre o festival e o serviço educativo do gnration, poderão participar até dez famílias, que funcionarão “em ilhas isoladas”, respeitando as distâncias de segurança.

“A questão física de toda esta edição é muito controlada”, assegura Luís Fernandes. “Se o Governo decretasse agora mesmo um novo confinamento, nós conseguíamos fazer o festival na mesma. Tudo pode ser feito online: as peças são gravadas, os vídeos já foram filmados, as residências foram períodos de trabalho não aberto ao público que não têm nenhuma apresentação física este ano, alguns dos oradores participarão nas conversas por Zoom... Tudo é à prova de covid. É claro que a dimensão física de uma pessoa ir ao Mosteiro de Tibães ver e ouvir estes conteúdos torna-os mais interessantes, mas há esta hibridez.”

Os conteúdos desta edição poderão ser consumidos gratuitamente em formato digital, ao passo que o acesso físico ao Mosteiro de Tibães implica a compra de um bilhete de seis euros, que pode ser adquirido no site do festival. Não poderão estar nas diversas salas do monumento mais do que 50 pessoas ao mesmo tempo e cada visitante terá um período de duas horas para experienciar o programa.

Sugerir correcção