Buracos negros: de uma equação a uma observação

É uma época maravilhosa para estudar a gravidade e o cosmos. Estamos a chegar à fronteira do espaço e do tempo, literalmente.

O Nobel da Física de 2020 foi atribuído a Roger Penrose, Reinhard Genzel e Andrea Ghez, pelas suas contribuições para a física de buracos negros. Para que fique bem claro (ou escuro, dada a circunstância), o primeiro estudou a matemática subjacente ao interior de buracos negros, e Genzel e Ghez reuniram provas de que estes objectos existem.

É importante dizer que tudo começa com a descrição que Einstein fez da gravidade, a teoria da relatividade geral, uma teoria matemática de uma elegância incrível. O conteúdo dessa teoria ainda não o conhecemos na totalidade, dado que a matemática é – muito simplesmente – fabulosamente difícil. Ora, creio que todos que trabalham com a teoria concordariam que, dos fenómenos descritos pela matemática, os mais interessantes são buracos negros.

Um buraco negro pode ser pensado como uma estrela morta. Mas é muito mais do que isso, é uma fronteira onde o tempo pára e que separa regiões que só comunicam num sentido – para dentro do buraco negro. Hoje em dia, isto é leccionado nas salas de aulas, mas em 1965 estávamos a esgravatar a teoria. Nesse ano, Penrose introduziu o conceito de superfície fechada aprisionada que viria a ser fundamental para caracterizar buracos negros. Ele mostrou também que o colapso de uma estrela, isto é a sua morte, seguida de implosão, tem sempre de originar uma “singularidade”, uma região onde a teoria falha. Como é que a teoria pode prever algo que a invalida? Em 1969, Penrose sugeriu uma forma de escapar a este incómodo: postulou um censor cósmico, que faz com que as regiões onde a teoria falha estejam aprisionadas no interior de um buraco negro. De certa forma, os buracos negros existem para nos proteger... da nossa própria ignorância.  Mas Penrose também percebeu que estes objectos – estranhos e exóticos em 1969 – pudessem na realidade ter um papel determinante no cosmos. Citando o artigo de 1969: “Quero apenas fazer um apelo a que os ‘buracos negros’ sejam levados a sério e que as suas consequências sejam exploradas em detalhe. Realmente, quem é que pode dizer, sem um estudo detalhado, que eles não desempenham um papel importante nos fenómenos que observamos?”

O que nos leva aos outros dois premiados. Genzel e Ghez estudam o centro da galáxia há décadas, usando tecnologia extremamente avançada – de que outra forma é que poderíamos espreitar para o centro da Via Láctea, vendo para lá de toda a poeira e matéria?! –, tendo mostrado que exactamente no centro está um objecto com uma massa equivalente a quatro milhões de sóis, mas que é completamente escuro e muito compacto. Isto não prova que esse objecto seja um buraco negro. Em boa verdade, por definição é impossível provar que os buracos negros existem – mas é com certeza uma evidência muito forte. Nos últimos 30 anos temos recolhido tanta informação do centro da galáxia que damos connosco numa posição estranha: um buraco negro é a explicação menos exótica para aquilo que está no centro da nossa galáxia.

Em resumo, algo está para acontecer. Quer com luz quer com ondas gravitacionais, estamos a chegar cada vez mais perto da superfície de um buraco negro. Sabemos que eles aprisionam falhas da teoria, talvez essas falhas deixem marcas do lado de fora... e talvez nos próximos cinco a dez anos tenhamos uma revolução em física, causada pelas marcas deixadas no exterior de buracos negros, marcas de como corrigir a teoria de Einstein.

Seja como for, estamos a alargar a fronteira do Universo que conhecemos. Esta é uma época maravilhosa para estudar a gravidade e o cosmos. Estamos a chegar à fronteira do espaço e do tempo, literalmente.

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