Carlos acompanha lobos desde criança: “A ideia de que o lobo é mau ainda não se extinguiu”

O fotógrafo de vida selvagem Carlos Pontes documenta, há vários anos, a vida das alcateias do Alto Minho e Parque Nacional da Peneda-Gerês. "Tristemente, a ideia de que o lobo é mau, perigoso para as pessoas, ainda não se extinguiu.”

©Carlos Pontes
Fotogaleria
©Carlos Pontes

Um dia, enquanto percorria uma estrada nacional no seu carro, perto de Ponte da Barca, o fotógrafo Carlos Pontes teve um encontro inesperado com uma loba. “De dentro do carro, vi que tinha uma das patas da frente amputada. O coto estava cheio de pus, estava podre. Ela parecia fraca, estava quase a morrer. Parei o carro junto dela e olhou-me com um ar muito triste; continuou a andar, devagarinho, derrotada. Nesse dia, algo despertou em mim.” Carlos tinha 18 anos. “Porque é que as pessoas magoam tanto os lobos? Porque os perseguem tanto?” Sentiu urgência em desmistificar a presença deste animal, em mostrar que o “lobo mau”, a fera, não era o “monstro” que pintavam. Os anos passaram por Carlos, que tem hoje 35 anos, mas a missão permaneceu.

Carlos tem contacto com o lobo-ibérico desde os oito anos. “A serra e os animais selvagens fazem parte da minha vida desde cedo”, explica ao P3, no WhatsApp, enquanto caminha pela Serra Amarela, entre o Gerês e o Soajo. “Os lobos mataram esta noite e estão acompanhados das crias”, conta, perto do local onde irá esperar a alcateia. Este é um dia normal na vida do fotógrafo de Ponte da Barca. “Se ainda tiverem fome, pode ser que tentem comer novamente antes do cair do dia.” O calor que se faz sentir pelas 15h é intenso, mas não o demove. “[Conseguir fotografar a alcateia] é um tiro no escuro, mas sou mais persistente do que eles”, garante.

E vai serra adentro, de câmara em riste. Carlos Pontes sabe onde esperar os lobos, conhece os seus percursos. Acompanha, há vários anos, quatro alcateias, mas monitoriza o processo de reprodução de seis. “É trabalho de muitos anos”, explica. “No início nem utilizava a fotografia, andava apenas no seu encalço.” Fazia-o por paixão. A fotografia chegou só em 2009, aquando da compra de uma câmara profissional. “Até então, andei muitas horas perdido na serra, passei muitas noites atrás dos lobos, a tentar perceber onde andavam, em busca de pegadas." Estudou os comportamentos do animal em livros e filmes e fez inúmeras esperas, em lugares estratégicos, na esperança de o encontrar. "Além disso, fiz muitas perguntas a pastores da região", explica. "Eles tinham contacto mais próximo com o lobo.” Apontava tudo num mapa, todos os avistamentos e indícios, de forma a triangular o território de cada alcateia. “Agora vou de olhos fechados, sei onde eles estão dependendo da época do ano.”

O lobo é uma espécie difícil de trabalhar. "Não se deixa enganar, é um animal esquivo", descreve. "E é assim por ter sido caçado até à exaustão.” Homens e lobos são inimigos ancestrais. Os fojos, as batidas e os cercos deixaram a marca profunda nos animais. “O lobo não tem rotinas, não passa dois dias seguidos pelo mesmo local à mesma hora. É um animal com território muito vasto e que tem muito medo do ser humano; é muito desconfiado e, se sente vozes ou cheiros, nao sai do seu esconderijo.” Se o lobo evita o ser humano é para preservar a sua vida. Um encontro com uma pessoa pode ser fatal e isso está como que "inscrito no seu código genético". “Mesmo hoje, apesar de todos os esforços que têm sido feitos pelos organismos estatais no sentido da preservação desta espécie, há, nas aldeias, quem continue a insistir na ideia de que o lobo deve ser morto quando avistado.”

É, em todo o caso, uma luta desigual. Um encontro entre um lobo e uma pessoa nunca tem um desfecho negativo para a última. “Os lobos nunca atacam as pessoas. Sabem que é uma luta perdida e evitam-na a qualquer custo. Nem para proteger as crias optam pelo ataque a seres humanos.” Carlos já esteve a poucos metros de uma alcateia e nunca se sentiu ameaçado. “Nunca me rosnaram, sequer”, afiança.

Mas se não é um animal perigoso para seres humanos, por que motivo insistem as pessoas no seu extermínio? À semelhança de qualquer outro animal, o lobo tem de se alimentar – e alimenta-se sobretudo de animais de pastoreio, nomeadamente cabras e ovelhas, mas também por vezes de vacas e cavalos. “O lobo muito raramente ataca animais de grande porte. Aliás, nas minhas imagens vêmo-los passear tranquilamente entre vacas e bois que pastam na serra. Não representam perigo.” É para proteger cabras e ovelhas que alguns homens e mulheres ainda declaram guerra ao lobo, no Alto Minho e no interior do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Existem apoios para os pastores e criadores de gado, no caso de perda de cabeças por ataque de lobo. “Mas esses ataques são difíceis de provar e os pastores ou proprietários do gado demoram muito tempo a serem ressarcidos pelo Estado.” Muitos preferem "tratar" da ameaça em vez de esperar pela compensação pelos danos.

Presentemente, o ser humano continua a ser o maior inimigo do lobo-ibérico. A morte em armadilhas (que são colocadas para a caça de outros animais, mas que vitimam o lobo recorrentemente) e por tiro de caçadores são ainda comuns. E as “baixas” desses animais são verificadas através da contagem do número de elementos das alcateias, que é feita por técnicos do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Além disso, os lobos são também afugentados com paus pelos pastores, que assim tentam preservar os rebanhos ou ter o "mínimo" de prejuízo possível quando os animais se aventuram em caça diurna. “Tristemente, a ideia de que o lobo é mau, perigoso para as pessoas, ainda não se extinguiu”, conclui o fotógrafo e videógrafo de vida selvagem, que costuma partilhar o seu trabalho no Facebook e no Instagram

©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes
©Carlos Pontes