Três em cada dez portugueses sentiram-se doentes durante pandemia, mas não procuraram cuidados de saúde

Estudo revela que 210 mil portugueses que se sentiram doentes durante a pandemia de covid-19 não recorreram aos cuidados de saúde. A dificuldade de acesso foi maior para idosos e doentes crónicos.

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Hospital de São João, no Porto Nelson Garrido

Três em cada dez portugueses sentiram-se doentes durante a pandemia de covid-19, mas não procuraram cuidados de saúde, revela um estudo divulgado esta terça-feira. “Embora a maioria dos 664 mil portugueses que se sentiram doentes durante a pandemia - 454 mil, ou seja, 69% - tenha recorrido aos cuidados de saúde, três em cada dez (210 mil ou 31%) não o fizeram”, referem em comunicado os autores do estudo Acesso a cuidados de saúde em tempos de pandemia, realizado pela GFK Metris e apresentado na Ordem dos Médicos.

Mais de metade dos portugueses (57%) considera que a pandemia dificultou o seu acesso aos cuidados de saúde, sendo a população mais idosa (69%) e os doentes crónicos (70%) quem mais manifesta esta dificuldade. Os dados do estudo referem que esta situação resulta de “uma experiência efectiva”: 692 mil portugueses não realizaram as consultas médicas que estavam marcadas.

Segundo o inquérito, cerca de dois milhões de portugueses tiveram algum acto médico marcado durante a pandemia (Março a Agosto), a maioria (89%) consultas, enquanto 23% tinham exames, 5% uma cirurgia programada e 3% internamento.

“A quase totalidade das consultas não realizadas foram canceladas pelas unidades de saúde”, refere o estudo promovido pelo Movimento Saúde em Dia - Não Mascare a Sua Saúde, uma iniciativa da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH) e da Ordem dos Médicos.

O estudo visou auscultar as opiniões e captar as percepções dos portugueses sobre a pandemia de covid-19 e o seu impacto no acesso a cuidados de saúde, tendo sido realizado com base em questionários presenciais, entre 28 de Agosto e 7 de Setembro, com uma amostra representativa da população portuguesa, constituída por mais de mil pessoas maiores de 18 anos residentes em Portugal continental.

Cerca de 40% dos inquiridos diz que recorreria de certeza a cuidados de saúde durante a pandemia em caso de necessidade, 35% afirma que só recorria se a situação fosse grave e mais de 22% refere que “provavelmente recorreria”. Metade dos participantes indica que se sente seguro e confortável no acesso a cuidados de saúde. Quem sente insegurança, aponta o receio de contágio como principal motivo para evitar uma ida ao médico.

O estudo também quis perceber de que forma os portugueses aceitaram a telemedicina, tendo concluído que 775 mil tiveram uma consulta médica por este meio, com 90% a realizá-la. “No entanto, em 95% destes casos as consultas foram feitas por telefone, não configurando uma efectiva consulta de telemedicina – menos de 5% dessas teleconsultas envolveram transmissão de imagem”, salienta o estudo.

“Apesar de a experiência ter sido considerada muito satisfatória, a verdade é que dois terços não gostariam de voltar a ter esta solução em nenhuma situação ou só em casos muitos excepcionais”, acrescenta. Para outro terço, a teleconsulta só poderia ser uma opção em algumas consultas. Só 2% das pessoas gostariam de manter a teleconsulta em todas ou quase todas as ocasiões.

Maioria defende hospitais exclusivos para covid-19

Quase 90% dos inquiridos no mesmo estudo considera que deviam existir instituições exclusivas para o tratamento de doentes com covid-19 e outras “livres” para tratar as outras doenças. Para 87% dos participantes, deveria “haver alas e percursos nas instituições/serviços de saúde dedicadas à covid-19, para não misturar estes doentes com pessoas com outras doenças”, e a ida a estes serviços devia ser sempre agendada, cumprindo o horário de atendimento para evitar aglomeração de utentes.

Outra das conclusões do inquérito aponta que 83% dos inquiridos gostaria que fossem realizados testes de diagnóstico a todos os utentes e profissionais de saúde para prevenir o risco de contágio por covid-19. A grande maioria (88%) diz ter “elevada confiança” nos profissionais de saúde/médicos, 77% considera que estão a ser acautelados todos os procedimentos para garantir a segurança dos doentes e 68% afirma ter confiança para receber cuidados de saúde no seu centro de saúde e 65% num hospital público.

Questionados sobre a organização dos sistemas de saúde, 83% aponta como problema o longo tempo de espera para ser atendido, 81% as salas de espera com muita gente e 71% o facto de os médicos verem muitos doentes ao mesmo tempo. Para 43% dos inquiridos, o Serviço Nacional de Saúde não estava bem preparado, em termos de profissionais de saúde, para lidar com esta pandemia, e para 58% não estava bem preparado em termos de equipamentos e instalações.

Na análise das políticas de resposta à pandemia, o estudo conclui que “globalmente a avaliação do investimento realizado pelo Governo, nas suas diferentes dimensões, é moderada (não é positiva nem negativa)”. Para um terço dos inquiridos, “houve alguma irresponsabilidade nos gastos que foram realizados a propósito da pandemia, já que vão empurrar o país para uma grave crise económica”.

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